quarta-feira, 30 de junho de 2010

LEVEZA DE SER

  Branca-Rosa meditativa
Salvador Dali
CH101

Eu estava aguardando para ser chamada para algo em que era muito difícil conseguir vaga. Haviam me dado uma ficha com meu nome escrito errado (haviam colocado o sobrenome Virgínia). Enquanto aguardava fui caminhar pela redondeza. O local era cheio de casinhas cercadas com placa de muro baixas e de uma podia-se avistar e inclusive alcançar as plantas do jardim das casas à volta. Embora houvessem as placas de muro dividindo, elas não impediam o livre acesso por todas as casas e caminhei entre elas admirando os lindos pés de roseiras cor de rosa (só vi rosas dessa cor). Haviam rosas miúdas com muito espinhos no talo, outras rosas grandes e aveludadas, umas em botões pouco fechados e outras totalmente abertas, mas todas sobretudo lindas e em grande quantidade. Também havia plantação de hortaliça e cobicei de pegar uma muda de couve, mas não o fiz. Gostei muito daquele lugar de casinhas simplórias enfeitadas com a natureza rica de vitalidade. Nisso começou a escurecer e para não me perder naquela porção de casinhas eu tratei de retornar logo para o local anterior. Ao chegar, alguém comentou que eu havia conseguido a vaga desejada e que meu nome já tinha sido chamado. Pegando a ficha com meu nome escrito errado, fui até o guiché e lá escreveram meu nome certo. Menti que não havia ido no momento chamado por conta de ter recebido um nome errado e por crer que seria chamada pelo tal nome escrito na ficha. Parece que já era a segunda vez que escreviam meu nome errado na ficha de entrega, mas eu não tinha dado importância, pois poderia argumentar qualquer coisa sobre o erro do nome na intenção de conseguir a vaga. As atendentes ficaram surpresas por constatar que outra vez haviam escrito meu nome errado e brincamos com o fato. Notei que eu já as conhecia, ou seja, não estava ali a primeira vez. Fiquei feliz ao ter conseguido a tal vaga (não sei para o que era, mas parecia um tratamento ou um curso). Sentia-me uma sortuda que consegue várias coisas ao mesmo tempo, pois tanto esperei minha vez de ser atendida quanto conheci as casinhas da redondeza.



Ao retornar com duas amigas dentro de um ônibus eu cai do assento de costas para trás e com as pernas abertas para cima. Não me machuquei e dei risada do acontecimento divertindo com aquela cena absurdamente ridícula. Eu permaneci na posição sem pressa para levantar como se quisesse primeiro esgotar o riso meu e de todos os passageiros (o ônibus estava meio vazio) e foi incrível não ter me sentido constrangida. Eu me sentia muito leve e tranquila para me deixar abater por uma queda mais engraçada do que envergonhante. Nisso lembrei de uma feira de sofás que havia visitado e comentei algo sobre um sofá marrom redondo. Isso é tudo o que lembro.

A rosa é símbolo mandálico, entre o vermelho e o branco reside a cor rosa, entremeada entre significados alquímicos de purificação da matéria, nem tão puro ou purificada, nem tão matéria sacrificada, ou plásmica como o sangue. Espinhos podem indicar o inevitável ou a proteção e as defesas que ainda protegem  conteúdos autênticos e originais, sua essência.

Para mim são indicações de limites pessoais que podem impedir seu processo de maturação, vícios, desvios, defesas, neuras, que aparecem em forma de mentira.

O nome errado é equivoco de realidade, de denominação, erro, mentira. A mentira é defesa, espinho interposto nas interações. Você mente, o outro mente, todos mentem, todos se enganam. Se mente, antes de mentir para o outro mente para si, se engana, engana seu espírito, tira-lhe a referência, mergulha-o no sem noção, sem rumo. Se promove como doente.

A neurose se justifica na mentira, a Psiquê doente se justifica na mentira.

Não há como ter uma psiquê saudável, construir uma personalidade consistente, navegar pelo mundo com equilíbrio emocional se a referência é a mentira. Esta é uma grande coroa de espinhos, como aquela imposta pelos homens ao Cristo, que as pessoas se coroam para se auto infligir uma flagelação, um sacrifício que as impeçam de se realizar como indivíduos plenos.

O caminho da mentira é o caminho do engano, da dissimulação, do fingimento, da ilusão, da falsidade, do fracasso pessoal. Não existem meias verdades, mentiras sociais, mentiras aceitáveis, justificáveis. Tudo que é mentira, mentirinha, mentirão, pequena ou grande é mentira, o caminho do equivoco, da ludibriação, do boicote a si mesmo.

A Única referência é a Verdade, sem ela, os caminhos são espinhosos. Podem ser difíceis, mas se completam, se contemplam.

O tombo para trás, indica mudança na sua conduta de amor próprio ferido, na vaidade ameaçada, no narcisismo ofendido, no capricho reativo, no orgulho contaminado. Essa mudança é fantástica. Todos estamos sujeitos ao “ridículo”, mas ridículo é apenas a reação do perfeito quando confrontado com sua imperfeição ou com o imprevisível. O conceito equivocado do defensivo e do preconceituoso que pune o outro pela imprevisibilidade da vida. Ridículos somos todos nós. E quando aceitamos este lado descobrimos que precisamos aprender a rir de nos mesmos, antes de rir do outro. O sinal é de movimento e de recuperação de respostas naturais, joviais. Já reparou como os adolescentes riem? Acho fantástico. Pena que quando vão envelhecendo vão ficando sisudos, como se a seriedade fosse a medalha da conquista pela vida adulta. Puro engano.

Precisamos encontrar essa alegria autêntica dentro de nós, aquela original. E só conseguimos isso abandonando as máscaras de seriedade, auto importância,  autoridade, e perfeição que nos impomos. Essa é a leveza que importa, para que possamos passar por essa vida sem deixar rastros de retrocesso.

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