terça-feira, 8 de junho de 2010

FRAGMENTOS II


CH 82
III
Na terceira meu pai me trouxe duas rolinhas que havia conseguido pegar no quintal. Segurei-as cada uma numa mão, mas elas queriam escapar e meu pai, junto a outras pessoas que estavam pertos, acho que minha mãe e não sei quem mais, começaram a dizer que eu não sabia segurar direito e a darem palpite. Meu pai me chamou de parva repetindo a maneira como eu deveria segurá-las. Achei chato todos quererem impor um jeito ideal e correto de segurar as rolinhas, pois, estando com as duas mãos ocupadas, ficava difícil segurá-las de outra forma. Enquanto eu pelejava para segurar da maneira como eles queriam, vi as rolinhas transformarem-se em dois grandes ratos. Continuei segurando-os com cuidado e encantada com os mesmos, ou seja, no sonho os dois ratos me pareceram tão interessantes quando as rolinhas.

A metamorfose da rolinha Franciscana em Rato. Possivelmente foi mais apropriado, adequado, em seu comportamento defensivo, ser fugidia como um rato do que ser prisioneira como um pássaro. De qualquer forma esquecendo a transformação, prefiro focar o rato nas mãos: que pode ser indício de ter em mãos sob o seu controle esse animal símbolo do submundo, da sarjeta, das sombras, pestilento, e o mais importante na situação: Defensivo; Desconfiado; Esperto; Oportunista.

O espírito jovem e ingênuo da rolinha se transforma no rato, amargo e sombrio. O rato que agora passa a ter sob o seu controle, em suas mãos, para dar a esses conteúdos o destino que escolher. Por enquanto o encanto da vitória e da descoberta.
                                                                             
IV

Na quarta eu fazia parte de uma comissão organizadora de formatura da escola e, depois de nos reunirmos para planejar várias coisas, fomos para a sala de aula. Lá foi sorteado alguns potes de sorvete e acho que isso já fazia parte de uma rifa para arrecadação de dinheiro. Havia três potes de sorvete de chocolate, que foram distribuídos primeiro, e vários de creme. O engraçado e inédito foi que um dos rapazes que ganhou comeu um pouco e depois me deu o restante. Alguém comentou que não entendia por que ele havia dado o restante justamente para mim. Eu também fiquei surpresa e feliz. Quando fui comer percebi que o sorvete em verdade era ou parecia um arroz doce de chocolate. Era gostoso, mas um tanto enjoativo. Comi um pouco e deixei com que as colegas mais próximas saboreassem do mesmo também, até que me senti satisfeita e deixei para elas. Foi um sonho muito agradável onde eu me senti prestigiada e exerci a generosidade da partilha. Embora fosse um sorteio, havia um clima de desprendimento, amizade e confraternização muito agradável. Por fim lembro-me de alguém sugerir que os dinheiros arrecadados deveriam ser empregados na Petrobras até que chegasse a organização prática da formatura em si.

Parece-me que com o crescimento e com a transformação ocorrem a descoberta e a libertação. A libertação do aprisionamento na fantasia. A criança encantada com doce, quando satisfaz o desejo se liberta porque percebe a saturação do paladar.

O desejo enquanto fantasia aprisiona, mas vivido pode ser libertador. Assim quando vivemos na época certa a satisfação de nossos desejos nos libertamos para poder buscar novas realizações, assim fica mais fácil partilhar e permitir que outros possam também experimentar para se libertar satisfazendo seus desejos.

Quando esses desejos ficam camuflados eles se agigantam e podem se tornar desvios desastrosos na vida de um individuo.

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