quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

FEMINA IN NATURA


  

Num segundo sonho eu entrei eufórica (esse parece ter sido o sentimento permanente) em casa e comecei a cumprimentar as pessoas deixando-me ser levada pelo meu ímpeto, ou seja, agindo com espontaneidade total. (Será?) Eu as cumprimentava dando um abraço e, ao chegar na minha mãe, beijei-lhe as mãos. Eu me sentia impressionada pela agilidade com que conseguia fazer aquilo, principalmente por ser uma postura desejável, mas incomum para mim. Não eram abraços de quem expressa afeto, mas de quem se faz educado. Era como se eu já não fosse a mesma pessoa e quisesse demonstrar e vivenciar isso. No entanto, minha mãe recriminou-me em voz alta dizendo para eu agir do meu jeito normal. Senti-me repreendida de maneira explícita na frente de todos e respondi que estava agindo de modo natural e que tinha meu direito de agir com espontaneidade. Senti que para conseguir ser afetuosa e educada cumprimentando a todos de uma forma satisfatória eu tinha que agir por impulso, antes que minha mente neurótica viesse à tona com suas recriminações, exatamente como minha mãe fizera. Foi o que fiz e, consequentemente, agi de modo completamente diferente e não normal para minha postura reservada que tende a cumprimentar os outros no máximo com um sorriso e um “oi”. Embora ainda houvesse dificuldade por trás daquele impeto de agir diferente, era aquela a postura idealizada dentro de mim. Se abraçando para cumprimentar os outros eu me sentia mais educada e deixava a vaidade aflorar, essa naturalidade era espontânea não do meu jeito normal de ser, mas de uma crença que produzia a idealização. Quem estaria com a razão: eu ou minha mãe? Daí fiquei em dúvida entre agir com naturalidade ou com normalidade. Acho que sempre estive em conflito com essa parte materna que reina dentro de mim.



Em princípio podemos pensar em sonho compensatório, mas é pouco. Ainda que o sonho compense a realidade não afetiva em transição para uma condição de espontaneidade e afetividade, penso que isso não contempla o significado pleno da mensagem onírica.

Mas o que?

A euforia ainda que indique polarização e presença de conflito, sinaliza um estado de elação e interação nas relações pessoais. E esta interação pode indicar a canalização de energia liberada, dos conteúdos autonômos bloqueadores, para as relações interpessoais e afetivas.

Isto não é pouco, principalmente se considerarmos que sua carência indicava, em passado recente, uma demanda por afeto, a repressão afetiva, uma certa incapacidade de interagir afetivamente, respostas reativas e de manifesto agressivas. Tudo isto podendo ser traduzido para um bloqueio afetivo associado a dificuldades de estabelecer relações baseadas no afeto. Energia Bloqueada.

Este estado de euforia é liberação de energia, manifestação e prontidão para o estabelecimento de relações de afeto, resultantes de consolidação de estado emocional estável e de segurança, de atitude e manifestação de singularidade e individualidade.

Na realidade mesmo que esta predisposição ainda não apareça no seu comportamento na realidade pessoal, é preciso entender que o sistema funciona antecipando possibilidades para que quando a espontaneidade, ou o comando interno lhe empurrar para um cenário deste tipo, que você tenha repertório de respostas e lucidez para se permitir viver ou para bloquear a ação, a interação, a atuação interior, repetir o mito de Sísifo.

Este acontecimento também lhe coloca numa fronteira entre o despertar da ação e o seu movimento de permissão ou de repressão. Bem sabemos que seus movimentos foram cerceados pela repressão decorrente de julgamento e condenação que se impôs, por “n” motivos.

O sonho te coloca nesta fronteira. Suas mudanças veem sendo realizadas e agora você se defronta com um fluxo de energia que aflora e que lhe permite a possibilidade de sintonizar e expressar a plenitude do seu afeto ou repetir o passado evitando e bloqueando este fluxo e se aprisionando na insatisfação, na negação da celebração, no impedimento de expressão do afeto, entre outras coisas.

A imagem do beija-mão é exemplar: Você humildemente se rende ao sentido simbólico da maternidade, prestando homenagem e expressando afeto, abandonando o julgamento e a condenação da “Mãe”. Esta é uma submissão respaldada na respeitabilidade pelos genitores, pela ancestralidade.

Afeto é educação, e educação é afeto social, representação formal, de respeitabilidade e referência fundamental na interação. Sem educação retornamos ao estado de primitivismo e incivilidade, portanto, de afeto indiferenciado.

A energia liberada permite o fluxo do movimento, assim como a neurose bloqueia o sujeito aprisionando sua expressão afetiva.

Antes de celebrar e comungar com o outro, precisamos nos amar, nos gostar, nos respeitar, nos permitir, nos presentear, nos acariciar. Isto significa sintonia no afeto, consigo mesmo, com tudo aquilo que te constitui e que faz de cada um uma expressão da criação divina.

Na sequência aparece o confronto, através da repressão materna, que é a mãe dentro de você, não necessariamente a sua mãe. Já que esta mãe pode ter sido a sua justificativa de projeção do ressentimento, da mágoa. Mas se ela anteriormente era uma autoridade e comando, agora você se impõe com sua individualidade, já que este conteúdo que construiu (a representação materna) se virou contra seu criador: você; Lhe impedindo de encontrar respaldo afetivo para a sua demanda emocional. E possível que a representação tenha se tornado, em decorrências da carga negativa, uma representação associada ou incorporada por conteúdos autônomos que vinha te conduzindo desde então.

O evento onírico também antecipa respostas e condutas que estão sendo reconfiguradas ou resgatadas, e o “Ser” espontâneo que nasce, ou renasce, agora se defronta com o conflito nascido na repressão imposta pela sua falta de limites na infância ou na pré-adolescência, possivelmente o momento em que a espontâneidade  foi sufocada em nome da socialização e ou sufocada pelos caprichos e pelo ressentimento.

Nem tão lá, nem tão cá. Os limites são fundamentais e definem fronteiras de conduta que o “social” exige, tanto quanto o natural é fundamental para que sigamos em sintonia com o melhor de nós mesmos, nossa essência.


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