terça-feira, 2 de novembro de 2010

CRIANÇAS E PASSARINHOS



Acordei com a sensação de contradição dentro de mim: eu gosto ou não gosto de criança? Será que gosto até a idade em que a criança começa a andar? Por que me surpreendi tento um afeto especial com o menino do sonho? Seria ele compensatório? Será que eu não gosto de criança exatamente por não saber ou não permitir-me liberar a minha criança interior? A inocência e o carisma na maneira de uma criança expressar os sentimentos deliberadamente, ou seja, sem julgamento, me atrai, mas ao mesmo tempo me repudia a curiosidade para mexer no que não deve e a teimosia. A birra da carência eu até compreendo com uma certa dó. Pensando bem eu carrego esse lado desagradavelmente manhoso, curioso e teimoso até hoje e talvez isso explique a antipatia que tenho diante de determinadas crianças. Seria isso mesmo?

Já lhe disse: geralmente o individuo fica incomodado com aquilo que o espelha. Sua dúvida (conflito) se gosta ou não de criança, não é uma questão bem focada. O foco são as crianças. Como você já não o é, já não mobiliza a atenção do outro sendo criança, elas se tornam alvos de sua competitividade. Você compete com seus iguais.

Por outro lado, como pode um individuo que possui uma grande demanda afetiva ser capaz de cuidar e oferecer afeto? Sua demanda é de receber, preencher o vazio pessoal. Mas aí mora o paradoxo, possivelmente o Segrêdo, quando abandonamos a necessidade de receber e passamos a oferecer aos que têm menos, passamos a receber acima do que precisamos.

Agora te sinto como uma mulher que não quer aceitar o desígnio natural da vida, crescer e deixar de ser criança. Parece-me que você ficou aprisionada, no limbo, entre a infância e o mundo adulto, Não abandona a velha forma infantil de se relacionar com o mundo. O tempo passa e cada vez mais inadequada se torna sua inclusão social. O corpo envelhece, mas os hábitos e a forma de responder continuam infantis.

Veja que uma questão simples como a de gostar ou não de crianças se torna uma grande problema. Uma grande dúvida, um grande conflito, onde todo o seu embaraço é exposto.

Uma pessoa pode gostar ou não de crianças. Nada demais! Cada um a partir de sua experiência pessoal pode ser empático às crianças ou anti empático. Cada um tem suas facilidades ou dificuldades, gostar ou não gostar, se incomodar ou não se incomodar. Ninguém pode ser obrigado a gostar do que não se gosta.

Crianças podem ser engraçadinhas, bonitinhas, mas em geral quando mal educadas, e a grande maioria o é na atualidade, exigem uma dose especial de paciência e de tolerância dos adultos. Elas ficam chatas, aborrecidas, exigem atenção em excesso, querem ser o centro da atenção dos adultos. Em geral são crianças carentes ou abandônicas que aproveitam os momentos de maior proximidade com os adultos para exercitarem seus jogos de manipulação e na busca de satisfazer suas demandas afetivas.

Os adultos precisam olhá-las como crianças que exigem cuidados e atenção especial. Elas precisam ser cuidadas como crianças que são.

Eu vejo nesses momentos, nesses encontros, uma chance excepcional de exercitarmos a amorosidade. E é incrível, como com pouca de atenção elas reencontram o eixo perdido por causa do abandono e do desamor que vivem.

Uma coisa é não gostar e outra não enxergar que os pequeninos se debatem no oceano dos perdidos. Como adultos precisamos conduzir essa crianças que nos cercam e que anseiam um pouco de equilíbrio.

Agora... Quando as crianças são bem direcionadas, centradas, elas se tornam seres maravilhosos e a única coisa que anseiam é descobrir o mundo. Aí... Conviver com crianças é uma experiência mágica.

Talvez sua dúvida seja porque se encontrando misturada entre o universo infantil e dos adultos você não tenha percebido como pode ser especial lidar com seres tão puros em sua essência. Elas são mais do que crianças. São seres como nós, apenas não têm o conforto de nossas certezas, de consciência do mundo, percepção da realidade, etc.

Nós estamos apenas a um grau de distância delas, e daqui a um instante, num flash, elas já estarão encalacradas no mundo adulto, perdidas entre paixões, ansiosas pela sobrevivência, angustiadas pela competitividade da sociedade, amedrontadas, por causa da violência, encantadas com a vaidade, perdidas nos vícios, nas compulsões, na vaidade, no ego...

Então precisamos ter compaixão por essas criaturas indefesas, precisamos amá-las como gostaríamos de ser amados, acolhê-las e protegê-las para que amanhã tenham mais chances de se refugiarem em referências positivas e amorosas que as consolidaram no passado.

Hoje em dia fico perplexo ao ver como os adultos são incautos e despreparados, deixando a vida passar sem que saibam identificar o significante do insignificante.

Mas as crianças... Elas continuam me encantando. Eu as vejo como passarinhos que voam livres no espaço azul, e se alimentam dos frutos do meu pomar sem precisar me pedir licença.

Ás vezes recebo visitas em casa que apontam as frutas e exclamam:

- olha! Os pássaros estão comendo tudo. Colha antes de perder.

Eu digo: Deixa os bichinhos! Eles precisam se alimentar, é por isso que eles vêm morar aqui!

As crianças são assim: precisamos alimenta-las com amor, com carinho, atenção, tolerância, porque a maioria delas está sendo envenenada pelas sete pragas da “mudernidade”. E alimentando-as, no amanhã, elas poderão se mostrar mais amigas e próximas do que hoje você se mostra a elas.

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