quarta-feira, 10 de março de 2010

DESASSOSSEGO

     
CH 35
Esta noite sonhei que estava com dois amigos homens mais velhos que eu (conhecidos apenas no sonho) e que estávamos numa espécie de trailer na beira da praia. Entretanto, aquela não era uma praia comum, pois o mar era para baixo. A areia condensada formava as pedras rochosas de forma que, para entrar na água, era preciso descer pelas pedras de argila. O divertido era ver as ondas do mar vir e não nos alcançar, como se estivéssemos olhando-as de um pequeno penhasco que formava uma espécie de L deitado (eu olhava estando na base do L). Eu me servi de uma bebida com gelo e aparentava estar bastante pensativa enquanto fazia charme com o canudo. Ao menos o copo era de servir uísque, mas não sei qual era a bebida, pois não prestei atenção ao gosto dela em si. Eu estava concentrada em outra coisa além das ondas. De maneira geral o sonho pareceu-me imensamente distante da minha realidade e, depois de acordada, pouco consigo me identificar na mulher que eu vivi dentro do mundo onírico. A questão é que um dos companheiros me perguntou o que eu tinha e rispidamente respondi: “Me deixa em paz” e fui saindo de perto dele. Entretanto, eu não falei isso por querer paz, mas para testá-lo. Eu não estava irritada ou mal, mas dava essa aparência para analisar a reação que ele teria comigo. Ao contrário da paz pedida, eu queria que ele fosse atrás de mim e insistisse em conversar comigo, mas ele não o fez. Eu também queria analisar como ele ia reagir com minha resposta dura. De certo modo ele me desagradou não indo atrás de mim (eu literalmente estava fazendo cena e, exatamente por isso, um paparico seria bom), mas também me agradou o fato dele não se melindrar com minha resposta rude (até porque eu não tinha nenhum problema pessoal com ele) e respeitar-me não indo atrás de mim (se de fato estivesse mal eu ia mesmo querer não ser perturbada com interrogatórios). Analisei tudo isso enquanto brincava com o canudo remexendo o gelo e olhava sozinha para as ondas que se movimentavam enquanto algumas pessoas posavam para fotos ou entravam na água. Verificando que ele não ia ir atrás de mim, resolvi ir mansinha atrás dele, pois aprovara sua postura. Fiz de conta que a bebida havia me relaxado e aliviando-me do problema inexistente que fingia estar me consumindo. Do resto não lembro.
Questiono: como podemos ter tanta ousadia nos sonhos a ponto de não nos reconhecermos? Essa ousadia existe mesmo dentro de mim, está em processo de construção ou o sonho representa apenas uma necessidade ou desejo de possuir tal coragem e liberdade de expressão? Na vida real eu teria sim capacidade de manipular uma cena, mas acho que não seria tão boa atriz quanto no sonho. Neste eu fingia tão bem que podia enganar até a mim mesma de que estava com algum problema e precisava de sossego sem ninguém me rodeando. Entretanto, se fosse para ser verdadeira e precisasse mandar alguém me deixar em paz, acho que nenhuma coragem teria para tal, muito menos da forma ríspida e direta que falei no sonho. Como pode uma situação dessas?

“O poeta é um fingidor
Mente tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente”.
Desassossego -Fernando Pessoa.

O que você chama de ousadia? A intenção de mentir e a realização, ou a de conseguir falar e fazer o que lhe passou pela cabeça?
Entre outros, pela vida afora, nós temos três caminhos a seguir:
·         Ser verdadeiro;
·         Ser um autêntico mentiroso;
·         Ser um mentiroso que se finge de verdadeiro.
A verdade nos aproxima de um tipo de autenticidade especial, onde não negamos a natureza da origem, o que favorece em nós a construção do individuo consistente em princípios éticos, valores, conduta, comportamento, atitude, respeito, integridade, honradez.
A mentira nos aproxima da inconsistência, uma autenticidade forjada na fantasia, o que favorece a desconstrução do indivíduo, levando-o a formação de distúrbios de personalidade, conflitos, neuroses, isolamento sócio-afetivo,  suscetibilidades e pulsões fora de controle.
Quando nos baseamos em referências inconsistentes acionamos mecanismos de tensão contrários aos princípios de ordenação que referendam a relação do individuo com a realidade.
Por exemplo: Assassinos em série sempre deixam rastros para serem descobertos, tanto quanto, ladrões, parceiros infiéis, mentirosos, desonestos, corruptos e transgressores de forma geral. E Por quê? A psique busca uma forma de solucionar seu desequilíbrio, na ordenação, produzido pelo impacto das Tensões que desarranjam os mecanismos que estabelecem a relação do individuo com a realidade. Ou seja, é uma questão primordial que supera a ética a moralidade ou  a religiosidade.
No sonho você toma o “controle” do “INTENTO” em suas mãos, e consequentemente vai pagar o preço pela escolha feita.  O “outro” não está sob o poder do seu controle, portanto ele se movimentará a partir da imprevisibilidade contida no seu leque de respostas possíveis (tudo pode acontecer). Como você não possui o controle da ação alheia, a chantagem, a manipulação, a sedução, e outros jogos de domínio, só são possíveis dentro de certos limites restritos (muito mais restritos do que se pode imaginar). Consequentemente, para escapar dessa realidade desfavorável, você terá que se convencer, em seus atos, a subestimar o outro, acreditando que ele é mais controlável do que na verdade o é. E aí mora a armadilha do manipulador. Quando o outro é subestimado você se submete à lei da imprevisibilidade, porque o ser humano possui em sua esplêndida natureza um poder acionado por sua gênese, por sua natureza divina. Isto quer dizer: O Ego pode ser primariamente controlado e dominado por estímulos externos mas ele está sob o jugo de pulsões internas (o mar, o oceano) que transcendem a nossa capacidade de manipulação.
O Ego é apenas mediador entre a realidade externa e uma realidade interna dirigidas por forças poderosas e desconhecidas que comandam a natureza do corpo.
A mensagem é clara: o seu poder de manipular o outro é limitado, e acreditar que ele é superior só é possível se você subestima-lo (armadilha) e se superestimar. Quanto mais se superestimar maior será o recuo que terás que realizar no futuro, ou maior o tombo que sofrerás.
Entretanto, se fosse para ser verdadeira e precisasse mandar alguém me deixar em paz, acho que nenhuma coragem teria para tal, muito menos da forma ríspida e direta que falei no sonho.
Cuidado com as justificativas eles servem para reforçar suas intenções. Isso para mim é artimanha de neura. A força exigida para Ser verdadeiro é a mesma para Ser dissimulado. Uma avança numa mão e a outra na contramão, considerando o aumento do nível de tensão Intra-Psy. Quando você apresenta dificuldades em expressar suas intenções, você se utiliza da força de repressão ancorada na necessidade de manipular, seduzir sem o risco de perder seu objeto de foco. Quando você apresenta a expressão de forma ríspida você mudou a forma mas continua a realizar a intenção de manipular e dominar o seu foco, uma como vítima passiva e outra com agente ativo.
Esta é a forma complicada de viver, e a pior forma que se pode escolher para se relacionar no coletivo e com você mesma. Fingindo, dissimulando suas intenções, expressando seus desejos pelo avesso, pelo não desejo, “eu quero mas demonstro que eu não quero”, eu desejo mas escondo o meu desejo para fazer o outro mostrar o seu desejo se colocando suscetível à manipulações”.
O caminho saudável é fazer sua escolha e mostrá-las, expressá-las, sem medo das consequências, sem subterfúgios, de forma transparente, honesta. E o outro? É problema dele. O seu problema é só seu, sua escolha, sua atitude, seu posicionamento, sua postura, firmeza, determinação. Qual o problema? O “Não” é o direito do outro e precisa ser respeitado. Serei melhor sendo livre e não aprisionando o incauto, APRISIONANDO "A VIDA ALHEIA".
                      -Eu quero!                                          -Eu não quero!
                      -Eu vou!                                              -Eu não vou!
                      -Segue teu caminho.                        -Eu sigo o meu!
Um afirma o outro nega, são as diferenças. Aceitá-las é fundamental. Eu não preciso e não devo convencer o outro a fazer aquilo que quero, Se o fizer só estabeleço uma relação com um espectro de mim mesmo.
                                                                                    
   

Você foi lúcida na sua percepção: "... eu fingia tão bem que podia enganar até a mim mesma..." 
 É o que acontece com quem mente, acabam se convencendo das  mentiras que produzem e se perdem como crianças na muiltidão, perdem a referência da realidade. Lentamente acabam sendo corroídos pela insanidade, perdidos e insanos, charfurdam na lama viscosa e afundam no pântano de sombras. 
  CORRA LOLA! CORRA!

    BYE.




   

3 comentários:

  1. Ainda não havia pensado pelo lado de que mentir significava uma manipulação do outro. Achava apenas que isso fosse uma fuga para não me expor e, conseqüentemente, não me desgastar com discussão ou evitar críticas. Realmente faz sentido o que escreveu, mas parece difícil de ser entendido. Poderia me explicar essa questão de neura melhor? Você pergunta o que chamo de ousadia. Acho ousado tanto a intenção de mentir quando a de conseguir ser verdadeira, mas principalmente a segunda que, na vida real, me parece sempre mais difícil. Por acaso é o costume de mentir que faz a mentira parecer mais fácil ou, melhor dizendo, menos arriscada? Eu nao minto por mal, talvez seja por pura insegurança pessoal...
    Minhas lembranças oníricas nas ultimas noites são mínimas. Entretanto, sei que são sonhos de proximidade tanto com o elemento masculino quanto feminino. São sonhos de entrosamento que me passam sensação de liberdade e auto-superação bem positiva, embora ainda reduzida. Percebo que em alguns sonhos eu pareço consciente de estar sonhando como se fosse sonho dentro de sonho, algo difícil de explicar. Neles eu tenho noção de que tenho mais domínio da minha própria força interior de agir e, assim, nessa liberdade que acaba sendo quase irresponsável, experimento o contexto do sonho com mais fidelidade ao que sinto, sou mais libidinosa, mais ousada, instintiva. Isso me deixa confusa quanto ao que verdadeiramente sou, as minhas capacidades, necessidades e vontades. Não que eu tenha domínio do sonho, mas sim que eu tenha domínio de uma outra de mim que se permite viver vários tipos de situações oníricas mais intensas e desejáveis do que a realidade. Você falou sobre núcleos autônomos e, em alguns sonhos, vejo essa outra parte de mim sendo eu livre desses núcleos. Isso é possível? Alguns sonhos me proporcionam prazeres inexistentes que em vida não posso ter, seja por falta de oportunidade, de senso de capacidade, desinteresse, e até contenção moral. Às vezes chego a acordar de mal-humor por conta disso. O despertar se torna meu pesadelo.
    Acontece que, em várias situações, eu me bloqueio não por opção ou vontade, mas automaticamente como que por instinto inconsciente. E quanto mais vou contra o meu jeito natural de reação, pior parece ser. Busco ser mais ousada e expressiva, demonstrar o que gosto, falar o que penso, expor meus sentimentos, porém da teoria para a prática o ‘bicho’ pega. Daí eu vivo tentativas frustradas na realidade e sou compensada irritantemente com experiências fascinantes durante os sonhos. Às vezes me pergunto se eu poderia ser a pessoa que sou nos meus sonhos que, enquanto acordada, está naturalmente contida. Nos sonhos falo e faço o que fora deles não falaria e nem faria, seja por falta de vontade, medo, pudor, etc. Isso é normal ou acontece só comigo? Por que nos sonhos aquilo que parece impossível na vida real se torna tão fácil e natural, mesmo que não tenhamos controle sobre o que sonhamos? Por que nos sonhos tenho mais liberdade, iniciativa, vontade e capacidade para ser eu mesma? Ou será que nos sonhos eu não estou sendo eu mesma de fato, mas sim o que desejaria ser? Fisiologicamente falando, os sonhos podem acarretar mudanças práticas na personalidade de uma pessoa? Ou será que isso só pode ser possível analisando os mesmos e compreendendo as mensagens incitadas?

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  2. Como sonhei muito essa noite! Obviamente não lembro de tudo, mas vou tentar resgatar algumas partes. Lembro de estar dentro de um carro, que estava estacionado, conversando com um amigo muito querido. O clima era muito agradável e me sentia muito bem até que um carro colidiu exatamente ao lado. Uma vez que a rua era muito movimentada, senti que correríamos perigo se ficássemos dentro do carro e dizendo isso fui saindo desesperada do veículo, inclusive descalça e pesarosa por deixar meu tênis novo para trás. Não sei por que eu não estava calçada. Não tenho certeza se meu amigo conseguiu sair também, pois tudo foi muito rápido e outros veículos, incluindo ônibus e enormes carretas foram literalmente passando por cima de todos os carros que estavam na frente, inclusive os estacionados. Foi um massacre total e me deram como morta. Eu fui tentar convencer minha mãe de que eu não morrera e, dentro de um ônibus, observei que ela levava flores e alguns sapatinhos de crochê (que faço para doar a mães carentes) a fim de colocar dentro do meu caixão em representação minha. Cheguei até ela e disse que eu não havia morrido, mas ela não acreditou que eu fosse eu. Achei estranho e fiquei desesperada pensando que tinha de fazer algo. Nisso me falaram o nome de uma amiga que estava ajudando casos semelhantes e corri até ela cheia de esperança. Ela estava incorporada de preta velha e encontrei junto dela algumas outras pessoas conhecidas, inclusive, se não me engano, o amigo do carro que não sabia se houvera sobrevivido. Perguntei a preta velha se era verdade que eu morrera (mesmo tendo certeza de que estava viva) e ela confirmou que eu ainda não havia morrido. Pedi ajuda e ela disse que ia fazer sua mandinga. Não lembro muito dessa parte.
    Desci do ônibus com o suporto amigo. Nos pusemos a caminhar e outra vez sentia-me muito bem por estar ao lado dele. Ele não me passava sensação de segurança ou paixão (embora desse um excelente namorado), mas sim de cumplicidade. Algo nele me atraía bastante e me fazia ficar encantada e alegre. Fomos caminhando até a casa de uma pessoa conhecida dele. Entramos e sentamos na sala. Fiquei observando para meus pés que estavam calçados com algo improvisado e, embora não me agradasse muito, estava sem outra opção melhor. Ele trabalhava com arrumação de festas para a mulher que morava na casa em que estávamos e relatou-me que para algumas festas era convidado, mas para outras, como a daquela noite, infelizmente o convite não era feito. Ficamos conversando amigavelmente, mas também não recordo muito dessa parte. Sei que depois eu estava andando pela rua normalmente quando começou a acontecer um verdadeiro caos. Explosões, tiros, um enorme avião que foi decolar e caiu assim que saiu da pista provocando uma torrente de fogo que começou a se alastrar nos carros e casas, uma loucura sem tamanho. Pus-me a correr e tinha que tomar cuidado para não ser atingida pelas tampas dos bueiros que saiam fortemente voando enquanto jatos de ar eclodiam por debaixo da terra.

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  3. continuação
    Nisso adentrei num local e me escondi com uma jovem. Estávamos bem até que entraram duas mulheres e, desesperadas, nos vendo como sinal de ameaça (não sei por que) tentaram nos matar com facas. Em defesa, mesmo me machucando, enfrentei a briga e consegui matar as duas com a ajuda dessa amiga.
    Nisso desci para a parte de baixo pulando por uma grade. Parecia um deposito e havia varias caixas. Escondi-me entre elas tentando não ser vista pelas pessoas que já estavam ali escondidas, pois não queria ter de matar mais ninguém. De repente vieram alguns homens investigadores e saí fugida entrando numa sala de aula universitária. Eu estava desesperada achando que estavam me procurando por causa das mulheres que eu havia matado. Nisso a jovem que estava comigo deu-me cobertura e falou para me esconder embaixo do banco no qual ela estava sentada e assim, escondeu-me com sua saia rodada. Continuaram na procura e eu não cabia totalmente em baixo do banco. Desconfiado começaram a espetar um ferro passando-o pelo chão. Eu levantava o corpo apoiando apenas nas mãos e fazia de tudo para dar a impressão de que não havia nada ali. Insatisfeitos, mas sem poder levantarem a saia da jovem, pegaram um rodo e aí conseguiram me descobrir. Achei que eu fosse ser levada presa ou até que fossem me matar, mas unicamente avisaram que eu ia ser deportada. Fiquei aliviada. Abracei a jovem feliz pela nova amizade tão necessária naquele momento desesperador. Ela me consolou sobre a deportação e eu disse que estava tudo bem, até porque, o que mais queria era sair daquele caos. Deixaram-me reclusa até o dia seguinte dentro da suposta universidade e, durante a madrugada, encontrei um casal de assaltantes querendo roubar o local. Novamente tive que enfrentar mais duas pessoas e, correndo risco de vida, mas sem matar nenhum dos dois, eu consegui rendê-los (também usando facas e facões) até a chegada da policia que, não sei como foi avisada, não demorou a cercar o local. Isso pareceu me dar crédito. Ao menos pessoalmente eu me sentia favorecida com aquela segunda situação de enfrentamento corporal.
    Depois disso eu caminhava com alguém que chamava de mãe, mas não se parecia com minha mãe, por um corredor cheio de variadas espécies de plantas. Tinha jeito de viveiro misturado com passagem de esconderijo secreto. No caminho, perto de uma parte que parecia uma gruta, encontramos dois sujeitos e um deles disse que me conhecia. Embora ele também me parecesse conhecido, eu tinha certeza de não conhecê-lo e desvencilhei-me com custo dele. Não estava nos planos encontrar ninguém ali e não sabia por que aqueles dois sujeitos passavam por ali. Ao final entramos numa espécie de laboratório de plantas e começamos misteriosamente a analisar e pegar algumas sementes. Entretanto, deixei minha mãe fazendo o serviço e fui analisar o local melhor. Saindo daqueles dois cômodos que eu conhecia bem, encontrei outros desconhecidos. Alguns cômodos pareciam abandonados, embora fossem amplos e de construção bem conservada, enquanto outros estavam bem mobiliados. O local era bonito e agradável, mas tudo ali parecia ser-me uma incógnita. O resto eu não lembro. Por que essa mistura de pessoas tão amigas e outras tão ameaçadoras? Por que a diferença de ambientes torturantes e outros agradáveis? O que faz um sonho ter essas características contrastantes? Por que sonhar com tantas pessoas que só as conheço dentro do sonho?

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