sábado, 13 de fevereiro de 2010

O PSICANALISTA NO DIVÃ





Galvão


Sonhei que estava em uma espécie de clínica , ou "pronto atendimento" de hospital, assentado em uma daquelas cadeiras com apoio para se retirar sangue, onde já tinha estado antes para um procedimento médico menos radical, que não tinha dado certo. Seria pois um retorno.
Chegou então uma enfermeira, que era a mesma que havia me atendido da outra vez, e mandando que eu esticasse meu braço esquerdo, pegou um bisturi afiado e, na altura do pulso, talvez um pouco acima, fez profundo corte contornando-o de fora a fora, como se fosse decepa-lo.  
Virei o rosto para não ver, mas, mesmo não sentindo dor, percebi o sangue esguichando aos borbotões.

Sabia que se ela não executasse seu procedimento rapidamente eu poderia morrer. Era como se fosse uma luta contra o tempo.  
Mas após alguns minutos voltei a olhar e vi meu pulso e antebraço envoltos fortemente com esparadrapo e atadura, e já o sangue estancado. Me deu sensação de que havia sobrevivido. Estava aliviado.

Antecipadamente agradeço-lhe a confiança. Tenho conhecimento de sua formação Freudiana e de seus conhecimentos, e fico admirado com sua busca para ouvir outra leitura, outro ponto de vista como analista. Para mim é um prazer receber sua confiança mesmo que aumente o meu desafio. Para fazer a leitura vamos considerar a realidade em que está inserido.
Você bem sabe, a riqueza de uma leitura está no entendimento do universo onírico associado às informações do cenário de vida do sonhador.

Em cinco tempos:

  • ·         1º tempo – Você na cadeira para retirar sangue;
  • ·         2º tempo -  A enfermeira faz a incisão, o sangue jorra;
  • ·         3º tempo – Você olha para não ver;
  • ·         4º tempo – Você “sabe do risco da morte;
  • ·         5º tempo – O sangue para de vazar. Você sobrevive.

O sonho envolve nível elevado (3º tempo) de tensão e alívio da tensão (5º). Neste aspecto ele é compensatório, à medida em que é catártico. Ele sinaliza a tensão (angústia inclusa) e a compensa realizando o relaxamento, a diminuição da tensão
A imagem é clara: Você está no sacrifício, sendo sangrado. É realizado o ritual, feita a incisão. Você vive a angústia e a ameaça do corpo amputado, há ameaça de morte, mas o sacrifício é finalizado. O sonho parece-me ARQUETÍPICO e MÍTICO , e envolve uma relação delicada entre sua pulsão coletiva e seus caminhos pessoais.
Na história humana Sacrifício é a ação humana de sacralizar algo ou alguém separado daquele que o oferece, separado de tudo o que permanece profano, oferecido a Deus como prova de dependência, obediência, arrependimento ou amor. Este processo torna o profano sagrado, e a sacralização torna o objeto ou sua imagem propriedade divina e inalienável.
Neste aspecto podemos diferenciar o sacrifício de oferenda e o sacrifício de oferta. O sacrifício de oferenda é definido pelo coletivo que escolhe uma riqueza e oferece como prova de obediência, submissão e reconhecimento do poder divino ou superior. Assim no passado se ofereciam o sangue das Virgens Puras aos Deuses na busca do perdão, ou de salvação. Assim como ainda se oferece o sangue de cabras, galináceos, coelhos em rituais de magia, de Contrato; A escola Junguiana  pode considerar esses “rituais de morte como a vitória do espírito humano sobre a animalidade e a bestialidade”, neste caso o sacrifício celebra  uma vitória interior.

 No sacrifício de oferta, o sujeito se oferece num ato heroico para se sacrificar pelo coletivo, ele abre mão de si, de sua vida em função do outro, mas compensa seu gesto incorporando a imagem do herói. O sacrifício é símbolo da renúncia aos vínculos terrestres por amor ao espírito ou à divindade. Mães (pais menos) abrem mão da vida em função os filhos, filhos em função de pais, irmãos em função da irmandade, etc.
A ação ou gesto de sacrifício no Antigo Testamento simboliza o reconhecimento da supremacia Divina. Já para os gregos é símbolo de Expiação, Purificação, Apaziguamento, Imploração Propiciatória.
O sangue é veículo da vida, sangue da vida, bebe-se o vinho como o sangue de cristo, bebe-se a vida. Veiculo da alma. O plasma da vida, o rio que corre dentro de nós, que transporta a proteção, a força, a vitalidade e o vigor. Sem sangue nós secamos como o deserto.
Quando o indivíduo é vampirizado, como que paradoxalmente sodomizado (elenão é penetrado, ele é sugado) , ele se transforma, ou morre ressecado ou se vampiriza como contaminado.
Eu precisei lhe lembrar esses dados para te situar dentro do contexto.
Se considerarmos o momento do sonho, ele pode fazer referência a uma postura de sacrifício em que você se colocou, oferecendo, como o sacrificado, o que possui de melhor ao coletivo (doando o plasma). Alguma parecença com cristo? Voce quase foi sacrificado. Naturalmente você incorpora o mito do Herói, do salvador, que abre mão de si mesmo, abre mão da vida em função de salvar o coletivo. Você sabe que correu risco de vida, em relação ao passado recente, colocou sua saúde em risco, sofreu, teve medo de morrer? E agora que a encrenca parece solucionada ocorre alívio da tensão, a sobrevida.  Você cumpre o seu destino.
Eu penso que a relação com o passado é clara. Mas qual a relação com o futuro? Seu pai e sua mãe foram duas estrelas cada um com uma grande obra na vida. Ambos foram contaminados intensamente com uma “Identificação Projetiva” em que eles já não se diferenciavam do objeto, ou da obra que construíam. Por isso penso no seu caso numa relação semelhante: A “Participation Mystique”. Você incorporou a tarefa dos últimos cinco anos como uma obra de fechamento da história famíliar, e o seu risco não foi apenas a morte no sentido lato da palavra, mas a morte simbólica de sua individualidade, do seu universo pessoal, de sua vida. Assim esse sangue representa mais: representa sua essência maior. Mas dependerá de você realizar o fechamento, se diferenciar do objeto coletivo, sem deixar de olhar para o corte que se faz necessário. É um corte, não apenas no corpo, mas com o passado, com a repetição dos erros, para poder reconstruir novas relações, a irmandade adulta e amadurecida, aquela que não é apenas consanguínea, mas que é resultado do comprometimento dos que estão inseridos na relação. Aceitar o destino não apenas como o “Herói” que se permite ser dilacerado no Bravo Coração de Guerreiro, mas como o homem que tem sua vida a realizar, que tem seu destino a cumprir. E para cumpri-lo não basta apenas a submissão à força do coletivo, mas a maturação e o aprimoramento do pessoal. É verdade que temos que superar o coletivo, realizando o que os pais não conseguiram fechar ou aprimorar, mas este desafio é apenas a base para avançar na superação de seus próprios DESIGNIOS. Seus pais morreram, agora é a hora de você se salvar, sobreviver.

Espero que tenha conseguido acrescentar algo à sua visão freudiana. É o que me passou como significativo. Bye

5 comentários:

  1. Olá... Tenho sonhado muito e, exatamente por isso, estou tendo dificuldade de lembrar o que sonho. Nessa noite eu sonhei muito com coisas de comer. Lembro que estava numa espécie de restaurante muito chique, ao que me parece, com um pessoal de uma excursão. Eu apenas comi enquanto todo o resto do pessoal (a maioria eram homens) não só comia como entrava na bebida. Num certo momento eles saíram do local e começaram a irem bêbados para a rua, na frente dos carros, enfim, pareciam almas penadas fazendo uma confusão no trânsito. Pensei em ajudar, mas eu era apenas uma para correr atrás de um bando de bêbados. Enquanto isso a organizadora que ia pagar todas as contas começou a recolher os cartões de consumo e fiquei arrependida de não ter comido uma sobremesa. Creio que eu não sabia com certeza que tudo ia ser pago e, uma vez sem condições de arcar uma grande despesa, já que tudo daquele lugar era muito caro, só fui constatar que eu poderia ter aproveitado mais da diversidade alimentícia quando já era um pouco tarde para tal. Pensei de pedir-lhe para me esperar pegar um doce, mas ela já ia ser a próxima da fila a ser atendida e fui obrigada a contentar-me com meu descontentamento. Pensava no quanto os outros haviam gastado com bebidas e, feito tola, eu não comera nem um pedaço de torta para rebater a refeição de sal.

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  2. Continuação...
    Depois disso eu estava num outro ambiente que não sei dizer se era um restaurante ou uma festa, mas sei que também tinha muitas comidas variadas e sobremesas, das quais eu já sabia que podia comer de tudo livremente, mesmo que algumas variedades houvessem de ser marcadas em meu cartão de consumo e despesa. O local era iluminado à meia-luz e estava achando-o um pouco escuro, tanto é que errei de mesa num determinado momento em que fui servir-me de algo. Lembro que depois eu fui servida com salada de frutas e creme de leite. No que fui buscar uma colher e voltei alguém houvera pegado minha porção e, irritada com a desorganização de tudo, fui servir-me pessoalmente na mesa donde eram organizadas as porções. Sei que o sonho estendeu-se enquanto eu permanecia nesse ambiente, mas não lembro quase nada. Parece-me que eu comia sozinha sem muito me entrosar com as pessoas, pois, de certa forma, eu não estava muito agradada daquele ambiente. No que me parece uma outra etapa do mesmo sonho, mas provavelmente num outro local, eu fui sentar-me na mesa com umas outras pessoas e um garçom foi trazendo um monte de quitandas enormes e entregando para a jovem que estava sentada do outro lado da mesa, a minha frente. Fiquei olhando o enorme pudim, a enorme rosca, etc. Como tudo estava sendo entregue diretamente a ela e o que ela fazia era colocar as entregas na mesa de modo desinteressado, eu perguntei-lhe se ia comer tudo aquilo e ela respondeu que não. Perguntei se ela ia levar para a viagem e ela também respondeu que não. Somente então perguntei se podia me servir das quitandas e ela respondeu que sim. Nisso outras pessoas se aproximaram e sentaram-se do meu lado. Eu não sabia se podia dar da quitanda que comia para tais pessoas e, embora preocupada de oferecê-las, não o fiz por vê-las comendo outras coisas. Havia muitas variedades de coisas de comer e todos pareciam estar comendo algo. Enquanto comia eu retirei os pedaços da quitanda que, não sei por qual motivo, havia colocado no colo, e coloquei sobre a mesa deixando explicito que a pessoa que estava do meu lado poderia pegar da minha porção se não lhe fosse permitido pegar da quitanda original. Logo em seqüência eu coloquei a cabeça no ombro dessa pessoa que se sentara do meu lado e falei algo que não me lembro. Não sei quem eram todas aquelas pessoas que já não eram as bêbadas que haviam ‘enchido a cara’ no primeiro sonho. Não sei se eu era intima delas, mas, ao mesmo tempo em que eu parecia estar à vontade com elas, eu também parecia estar vendo-as pela primeira vez.

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  3. ultima continuação...
    Depois disso eu estava noutro local e, estranhamente, havia uns copos cheios de alguma bebida (parecia café com leite) que estavam amarrados em linhas e uma mulher puxava essas linhas. Quando ela me disse para cuidar dos copos já era tarde e, um deles, aquele que ela tentava desembaraçar a linha para puxar, havia caído e quebrado. Fui limpar a sujeira do liquido misturado com os cacos e comecei a reclamar não lembro sobre o quê. Nisso ela me disse algumas coisas e só lembro da seguinte frase: ‘o que é seu está guardado. Espera que sua vez de ser extremamente feliz vai chegar’. É bom deixar claro que eu vivo dizendo isso a mim mesma como um autoconsolo. Embora a fala dessa mulher pudesse ser interpretada de muitas formas, pela sua maneira de dizer eu percebi que ela estava sutilmente me dando uma ‘cantada’ como quem diz ‘não se preocupa com o que você não tem, pois se quiser eu me dou a você’. Achei a situação interessante e pensei que, mesmo não tendo interesse sexual ou atração física por uma mulher, seria divertido ser cortejada, desejada e cativada por uma. Pensei no quanto de situações inusitadas eu poderia viver saindo da regra fixa de um relacionamento homem-mulher. Não estava pensando no obvio das questões sexuais, mas sim em expansão de afetividade, em aprofundamento de sabedoria exclusivamente feminina, de sair do meu próprio padrão normal-natural de mulher e me sentir simplesmente um ser humano. Eu me senti atraída não pela mulher em si, mas por tudo o que o universo feminino poderia proporcionar-me além do meu próprio feminismo. Eu me senti além de uma divisão entre masculino e feminino, ou seja, eu me senti entre divisões infinitas de seres individuais e únicos que constituem sua sexualidade e personalidade própria. Parece que minha conversa com essa mulher se estendeu, mas não lembro o resto.
    Noutra parte do sonho eu já estava com várias outras mulheres em um local que não sei definir o que era. Uma delas estava dançando e quando olhava para mim seus olhos brilhavam de forma quase sobrenatural. Era como se ela dançasse para todos mas o fizesse especialmente para mim. Eu me sentia honrada com aquilo mesmo sem saber o que de tão especial eu tinha perante o universo feminino. Não era a mesma mulher do sonho do copo e, assim como em todos os sonhos, ela também parecia desconhecida e, ao mesmo tempo, conhecida. Sei que sonhei com mais um monte de coisas, mas as lembranças são muito confusas. O que tudo isso pode representar?

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  4. Essa noite tive um sonho que muito me intrigou. Eu estava com minha irmã. Tudo parecia bem quando eu explodi em meus sentimentos e disse um monte de coisas para ela de uma maneira que só vivencio em sonhos mesmo. Não havia um assunto especifico sendo conversado, mas lembro de uma parte em que eu falava sobre a maneira dela fazer comida e dizia que não gostava do fato dela usar muitos produtos industrializados. Também sei que eu dizia isso de uma maneira muito grosseira e carregada de velhos sentimentos negativos. Eu não estava tecendo uma colcha de crítica, mas sim deixando muito claro todos os aspectos dela que me incomodavam e dos quais fazia eu desinteressar-me de sua pessoa. O interessante é que, fora do sonho, acho que nunca teria uma postura assim, até porque raramente tenho oportunidade de comer o que minha irmã cozinha e, por menos que eu goste, o mundo todo utiliza facilmente uma enorme variedade de produtos industrializados e, por bem ou mal, somos todos (inclusive eu) influenciados a esse consumo. Na continuação do sonho minha irmã ficou calada, ou seja, não se defendeu e nem reagiu. Foi como se ela assumisse minha postura de passividade e eu assumisse a postura dela de ser ativa e falar o que pensa e sente sem tolhimentos.
    Acabei ficando péssima pensando que não deveria ter dito nada (exatamente como minha irmã fica por ser impulsiva), mas ao mesmo tempo sabia que ser franca era positivo, pois não tinha que fazer de conta que gostava de coisas e situações provindas dela que de fato me desagradam. Pensei naquela frase ‘não atire pérolas aos porcos’, mas ela não se encaixava ao contexto, pois nitidamente minha irmã não apenas havia compreendido o que eu falara como se mostrava magoada com minhas palavras. Nessa inversão de papeis eu compreendi que ela sentiu-se exatamente como eu me sinto, ou seja, percebi que eu guardo magoa de muitas pessoas mesmo sem assumir para mim mesma que fico magoada com as pessoas que vivem falando comigo (ou sobre meu jeito de ser) de um modo grosseiro. Percebi que ela transpareceu tristeza pelo que eu dissera, mas assim como eu, tentou não demonstrar os seus sentimentos. Talvez sua magoa demonstrasse o fato dela não estar pronta para a minha franqueza, mas a verdade é que, dentro do sonho, ela usou de uma passividade que eu não esperava. Fiquei realmente me sentindo mal por ter dito tanta coisa de forma tão pesada. No sonho eu parecia estar tendo a postura certa de deixar tudo a claro jogando as ‘cartas dobre a mesa’, mas ao mesmo tempo eu fiquei magoada comigo mesmo por ter sentido que magoara alguém. Mesmo tendo sido apenas um sonho, ele reflete muito de uma postura de sinceridade e espontaneidade que procuro ter e que, depois de tal sonho, mesmo que eu conseguisse ter tal postura com facilidade, demonstra que é preciso ter cautela e equilíbrio perante as palavras e diante de uma postura ativa de se comportar perante as desavenças ou antipatias das outras pessoas, sejam parentes próximos ou amigos distantes. Porque no sonho eu assumi as características impulsivas de minha irmã de dizer o que pensa e sente de forma áspera e ela assumiu minha postura de nada retrucar e ressentir-se quieta?

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