terça-feira, 11 de janeiro de 2011

LEMBRANÇAS PICADAS

REGISTROS


Depois eu estava com minha mãe e irmã na entrada de um navio donde íamos fazer uma viagem. Enquanto uma colega se despedia de mim dizendo que assim que tivesse condições me mandaria uma carta, eu entregava minha máquina fotográfica para colocarem no guarda volume. Não sei porque eu não podia levá-la comigo. Eu estava muito preocupada deles sumirem com ela. Como se apercebe é um instrumento que valorizo muito. Percebendo a situação desconfortável de preocupação em que eu ficara, minha irmã comentou que eu devia aprender a desprender-me das coisas. Não lembro se apenas pensei ou se cheguei a comentar: 'você se desprende facilmente pois tem facilidade para as possuir, ou seja, não passa pelo meu sacrifício para conseguir ter um determinado objeto'. O interior do navio parecia-se um cinema. Sentamos nas poltronas e eu senti o balançar da mesma, algo muito gostoso, como se ela estivesse flutuando diretamente sobre as águas. Achava chato não estar com a maquina em mãos para tirar as fotos. Além disso minha mãe estava vestida com as minhas melhores blusas de frio e achei aquilo um tanto injusto, pois o ar condicionado do ambiente começava a me arrepiar. Isso sem falar na falta que eu estava sentindo de um caderno de anotações para registrar a viagem.

Fica nítido que escrever, registrar e analisar minha própria vida é algo extremamente substancial para mim.

Você me lembra P.D. Ouspensky, quando dizia que a primeira tarefa para alguém em busca do aprimoramento era se libertar da necessidade de posse, e que para isso o individuo primeiramente tinha que possuir bens. A ideia é interessante: quem mais precisa de dinheiro, mais se sente escravo, mais passa tempo pensando nele, fixado. E quem já o possui em valores significativos não necessita dedicar tempo ou pensamento a ele.

Este foi um dos princípios dos que queriam se dedicar ao aprimoramento. Primeiro conquistava a libertação material para não ficar aprisionado na necessidade. Nikos Kazantzakis autor de Zorba, o Grego, descreve a forma com que Zorba se liberta de um desejo que o perseguia: Zorba era menino e vivia atormentado por umas frutinhas que via numa venda quando se dirigia à escola. Um dia acordou mais cedo que o pai, furtou-lhe uns tostões, para comprar uma caixa das tais frutas e comeu até ter dor de barriga. Depois disso vivia dizendo que nunca mais pensou naquelas frutinhas vermelhas.

É compreensível o seu conceito: você é apegada porque custou a conquistar ou satisfazer o desejo de possuir. Se houvesse mais posses não ficaria tão apegada ou possessiva, seria mais desprendida.

Mas será questão de apego, posse ou o medo da perda? Medo de perder o suporte que o objeto representa, o vínculo objetal? Há é claro a dificuldade de desprender, há a culpa pelo apego, há a dificuldade pela ameaça da perda, do que é conquistado, do objeto com o qual está vinculada.

Há no objeto a projeção de uma carga afetiva associada à dificuldade de sua conquista e uma forte vinculação correspondente à carga afetiva projetada nela. Tudo envolve a relação objetal. É mais fácil administrar o afeto projetado nos objetos do que projetado nas pessoas. As pessoas tem vida própria, vão e vem, vem e somem. Os objetos podem ser controlados, daí o pavor, a agonia de ser roubada ou da perda por falta de atenção e descuido.

A necessidade do registro pode ser apenas uma forma que encontra para manter sob controle o seu entorno, certa insegurança, ou alguma verve de escritora. E se isso houver, a humanidade agradece pois anda muito desmemoriada. 

Uma armadilha:

Enquanto fica focada nas sensações você está relaxada e vive o prazer, mas quando sente necessidade de controle, e de domínio, você perde o vínculo com as sensações, abandona o prazer de navegar, para ter o prazer do controla mental que se vincula à simbólica sensação de posse.


"Fica nítido que escrever, registrar e analisar minha própria vida é algo extremamente substancial para mim".

 O universo é memorial. Tudos é codificado e registrado, a natureza da matéria é codificada, se reúne, se constitui por configurações, por níveis de energia. Nós somos o resultado de uma evolução que antes de tudo é  codificada e registrada.


O PASSADO E O FUTURO SE ENCONTRAM EM NOSSO PRESENTE.

Quando o indivíduo percebe a importância de registrar sua vida, ele está acionando um nível de consciencia do mundo e de si mesmo. A mente é a sofisticação dessa capacidade de processamento. E quando estamos nos localizando no presente, processamos dados que nos permitem nos situar nos cenários em que estamos inseridos, isto significa estar mais consciente diantes de nos mesmos e diante do mundo.
Ψ


Nenhum comentário:

Postar um comentário