sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

CAMISA DE FORÇA E SOCIABILIDADE



Sonhei que estava com minha irmã e sobrinha dentro de uma loja. Enquanto minha irmã era atendida pela vendedora, eu cuidava da minha sobrinha para que ela não caísse em alguns boeiros destampados bem na saída do local. Nisso minha sobrinha começou a ver um carrinho que estava na vitrine junto de alguns outros brinquedos. Depois ela já nem estava mais perto da vitrine quando a filha da vendedora, alguns anos mais velha (uns oito ou nove anos), apareceu dizendo que ela havia deixado o carrinho torto e em tom de ameaça disse que ia contar para a mãe dela. Minha sobrinha desesperada começou a chorar indo imediatamente conferir e tentar ajeitar o carrinho. Achando aquilo um absurdo, aproximei da vendedora e já fui logo dizendo o que a filha dela fizera e ainda completei que aquilo não era coisa que se fazia a uma criança. Minha irmã foi atrás da filha que chorava muito enquanto a vendedora desconcertada tentava acautelar a situação, embora sem repreender a filha. Logo depois minha sobrinha veio até mim e já era praticamente uma adolescente, mas ainda assim quis saber dela como se resolvera a história e abraçando-a reconfortei em meus braços fazendo-a acalmar-se e esquecer o pior que já passara.

Inicialmente vejo que o sonho me identifica em vários personagens: 1. A criança (sobrinha) que se desespera aceitando a culpa de algo insignificante; 2. A criança mais velha que é detalhista e intolerante; 3. A adolescente que ainda precisa de atenção e consolo; 4. A tia (seria a mulher adulta?) que quer proteger, defender e reconfortar.

O quê mais representa tal sonho?

Uma dificuldade recorrente em seus sonhos e a relação com a figura de autoridade, o medo da cobrança, da punição, da repressão. Na sua história esse papel pode ter sido desempenhado por sua irmã que era a única pessoa capaz de te controlar e de repreender seus comportamentos e atitudes sem limites. A autoridade que te colocou numa camisa de força da qual ainda tenta se libertar.

Já lhe disse, de sua “sorte” parece ser mais suave se libertar das amarras do que colocar freio em cavalo selvagem. Pode ser menos traumático retrabalhar a relação com o meio se libertando da repressão do que colocar limites em criaturas devastadas pela ausência de Senso e sociabilidade.

Mas este é um desafio que tens que superar. Redescobrir sua natureza espontânea, abrir espaço para que a jovem dominada e reprimida possa se expressar com a estatura do tamanho de sua dignidade.

O sonho estando relacionado à sua irmã e à sua filha, que lembra-lhe sua condição de submissão como “filha” criada, controlada e dominada pela mãe-irmã parece-me uma reconciliação que seu inconsciente encontra para se dizer que uma criança precisa ser amada e protegida, que você preferiria ter sido protegida do que reprimida, controlada e dominada.

Mas como as coisas são paradoxais pode ser que a mensagem inserida no contexto seja de que, você pode não ter sido protegida como desejaria, mas foi protegida quando alguém funcionou como referencia impondo-lhe limites que não coseguia apresentar.

É sabido que quanto mais um povo sabe se governar menos governo há de precisar, o oposto é verdadeiro: quanto menos as pessoas sabem se governar e se conduzir de mais repressão e de autoridade elas irão necessitar.

A criança repressora funciona como símbolo de conteúdo repressor, a criança repreendida funciona como símbolo de conteúdo de inferioridade, vítima e incapaz. Você já manifesta a capacidade de responder, se proteger e atuar a partir da observação, de atitudes amadurecidas assumindo a responsabilidade ainda que condenando e repreendendo a criança castradora através da mãe. E ainda de forma simbólica consegue indicar uma forma mais amadurecida para lidar com a situação: aceitando o confronto e se posicionando.

São novas respostas, ainda que essa menina castradora exista dentro de você. Mas à medida que você trabalhar a sua expressão e compreensão da realidade maior será o seu bom senso, sua constituição como adulto, como referência, como autoridade, se libertando aos poucos dessa autoridade castradora, desta menina presunçosa que existe em você.

Eu percebo bondade, certa generosidade com os menos favorecidos, com os pequeninos, um conceito "franciscano" de amar fraternalmente.
No nosso processo de desenvolvimento sempre ganhamos e perdemos, perdemos de um lado para ganhar de outro. É assim com a sociabilidade que nos abre as portas para a civilidade, perdemos a essência selvagem que nos permite ganhar e domínio e disciplina para a convivência social. Quando o individuo não abre mão dessa natureza original acaba desenvolvendo respostas antissociais que lhe dão o conforto de uma falsa autenticidade e autonomia, daí o crescimento da sociopatia na sociedade brasileira que não educa o individuo para a vida social.

Mas abrir mãos desta natureza tosca e primitiva significa a disposição de formatá-la para um nível de interação que nos permita apreender conhecimentos e aprimorar a consciência.

Sua auto estima melhora e se consolida como mulher capaz de se posicionar com integridade e como adulta diante do mundo, assumindo o seu papel de mulher madura. Se antes foi forçada a se colocar numa camisa de força por obrigação e formação familiar, agora pode descobrir que este é o principio da cverdadeira autonomia, a conquista da civilidade, constituída na integridade plena do Ser.

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