terça-feira, 13 de abril de 2010

A BRUXA DO BEM

Louis Maurice Boutet de Monvel , 1880,
A Aula Antes do Sabá
Castelo Nemours 

CH45

Sei que estou deixando muitos sonhos aqui, mas não precisa pressa para responder. É que a cada sonho me interesso mais em desvendar meu inconsciente. Dos sonhos dessa noite, o primeiro foi assim:
Eu estava na cozinha de uma casa e havia uma televisão do outro lado da mesa. Era uma cozinha apertada e a mesa ficava praticamente encostada ao fogão. Minha irmã ajudava um homem a fazer a comida (e não era meu cunhado). Na televisão começou a passar um filme infantil de um cavalo que contava a sua historia. Comecei a ver o filme sem muito interesse. De repente o cavalo entrou num túnel e se transformou numa senhora idosa que parecia uma bruxa do bem. Enquanto ela caminhava apareceram duas pessoas amigas ou assistentes (um homem e uma mulher ainda jovens) dentro daquele túnel de tijolinhos de barro com água escura parada que batia quase no joelho (parecia esgoto ou água misturada com piche). Ao chegarem na porta redonda da casa da senhora bruxa, a qual ficava nesse mesmo local subterrâneo, apareceram dois policiais e uma denunciante que começaram a revirar tudo, a bater na senhora e fazer muito deboche. Nisso a energia teve queda rápida por duas vezes apagando a televisão. Por fim minha irmã disse que eu não ia gostar daquilo e não entendi se ela se referia ao filme, a comida, a queda de energia ou a alguma outra coisa implícita que não captei do sonho. Quando fui perguntar ela falou: ‘Não faz mal. Não tem nada que aconteça que não seja bom para alguma coisa’. Acordei com essa frase tão nítida na cabeça como se eu inclusive houvesse-a dito enquanto sonhava.



Voltei a dormir depois de anotar algumas palavras chaves do sonho acima e voltei a sonhar novamente. Dessa vez eu estava numa sala de aula quando deu intervalo. Ao sairmos uma jovem começou a conversar comigo e pareceu encantar-se com algo meu, mas que não lembro o que era, de modo que ficou me dando atenção o tempo todo. Acho que ela era de outra sala, mas não tenho certeza. Quando acabou o intervalo, ela me deu alguma coisa dela e dei-lhe aquilo que ela havia interessado, mas não lembro praticamente nada dessa parte. As lembranças maiores se fizeram no momento em que voltei para a sala de aula. Minha carteira e meus pertences haviam sumido. Enquanto procurava alguém me deu dois cadernos, um não era meu e o outro, embora fosse, estava cheio de escritas que não eram minhas. Um jovem arrumou-me uma cadeira de braço e sentei para acompanhar a aula inicialmente não querendo atrapalhá-la, mas eu precisava dos meus óculos, das canetas e enfim, queria minhas coisas. Enquanto isso as meninas que estavam sentadas no lugar onde eu tinha minha carteira começaram a rir baixinho em tom debochado. Fiquei nervosa e interrompendo a aula pedi desculpas para a professora explicando a situação em voz alta e firme perante todos os alunos da sala. Por fim arrematei dizendo que se não aparecesse de volta todos os meus pertences eu ia mandar minha mãe chamar a polícia (eu ainda era menor de idade e, talvez por isso, tenha colocado a figura materna no meio).

Há nos dois relatos uma mesma linha que salta e se realça mais que outras evidências: Você indo na onda de um acontecimento que te confronta e que lhe exige uma resposta frente a sua passividade, que lhe exigem uma atitude mais presente, mais ativa. No primeiro momento você é apenas passiva e no segundo momento você consegue expressar sua frustração, seu desconforto, ainda que se escore na presença da mãe como força de autoridade.

Você se equivoca, não é porque a sua imagem de menor de idade recorre a figura materna. É o adulto que se porta como menor de idade (imaturo) e se reporta à mãe de forma regredida ou acordes ao seu estado de maturação

Chama-me a atenção como que seu intento é facilmente desviado. Parece-me uma fragilidade e uma suscetibilidade por onde mecanismos de inconsciente deslocam seu foco de atenção e te subjugam. Você se torna presa fácil. Mostra-se desinteressada, sem foco, mas se encanta facilmente pelo entorno, como que sendo levada e se deixando ser levada.

O cavalo é símbolo de força masculino e de suas pulsões de inconsciente, passa pelo túnel da transição e se transforma na senhora Bruxa idosa do bem. Essa velha bruxa pode nos remeter à mudanças arquetípicas que prenunciam novos comandos internos na psique. A velha bruxa do bem é símbolo da velha sábia “Senex” que vem para ocupar seu lugar na segunda metade de sua vida, substituindo o “Puer aeternus” no comando de sua vida. Sinal da ação que precisa ser realizada, de superação da imaturidade, a partir do momento em que assumes o comando e as escolhas de sua vida, rompendo com a tradição da infância omissa e do conforto de filha da mãe para a posição de mulher que assume os rumos de sua vida. As forças impulsivas caminham para a transformação arquetípica que se faz necessário neste momento a partir das ações que realiza dentro de sua mudança de conduta e de foco na realidade.

A ação de conteúdos impulsivos de origem agressiva, autônoma e masculina que ainda tentam impedir essa transição e transformação, essa conquista. Mas parece-me que ações psíquicas mais favoráveis já promovem o corte de energia, o enfraquecimento dessas pulsões, desmobilizam essas ações de boicote ao seu processo de amadurecimento.

  ‘Não faz mal.

  Não tem nada que aconteça

que não seja bom para alguma coisa’.

A frase é singular e excepcional. Excepcional porque retrata uma sintonia com os desígnios da vida. Não precisamos e não devemos nos esconder atrás de dramas. É necessário compreender esses desígnios para montar o mosaico do nosso destino. Nada é separado, tudo faz parte de uma mesma e infinita dinâmica. A nós cabe-nos aceitar esse destino, nos prepararmos para que nos momentos adequados, quando os portais se abram, possamos transformar nossas vidas e permitir que o universo realize em nós seu projeto divino.

O segundo momento reforça o primeiro no sentido de buscar uma ação mais ativa e de atitudes em sua escola da vida, sem ter que se socorrer na “mãe”, mas confiando em si, e aprimorando o instrumental necessário para que possa conquistar a sua realidade.

Ah! Comece rindo e debochando de si mesma, da importância que se dá. Desça de seu trono. E não foque a ação alheia, o que promovam e projetam , o escárnio, o deboche, o riso crítico, o julgamento. Você pode ficar muito defensiva com relação a esses comportamentos dos outros pela própria forma como criticamente julgava (julga e critica?) os outros. Deixando de fazê-lo avance para aceitar a miséria humana e o seu escárnio. É preciso ter humildade, antes de ver e aceitar no outro, aceitar que existe em nós e que precisamos dissolver. Comece rindo de suas bobagens, de como podes ser ridícula. Todos os somos.

Somos um mix de tragédia e comédia divina.


Precisamos perceber o quanto somos ridículos


  para aprender a rir de nós,

antes de rir dos outros.


Um comentário:

  1. Rir das misérias humanas é compreender que o pior de tudo em todos os humanos simplesmente é o outro lado da face donde se encontra o melhor de todos nós enquanto seres divinos em latente desenvolvimento. O senso crítico deve existir nessa busca de permanente melhoria interior, mas ele também deve ser generoso e complacente para não nos deixarmos na posição de carrascos da vida, de nós, do mundo e das pessoas. Alcancei o entendimento?
    Interessante a recorrencia dos risos. Essa noite sonhei que estava dentro de uma padaria, não sei se sozinha ou acompanhando alguém. Não sei bem o que fora comprar, mas enquanto aguardava na fila do caixa, reorganizei um punhado de ramos de alecrim bem viçoso que segurava na mão esquerda e que, pelo visto, já carregava comigo antes de entrar naquele local. Nisso uma mulher da fila olhou para os ramos, não me importei. Aproximando do balcão, o atendente ao invés de registrar minha compra, perguntou o que eu fazia com alecrim. Disse-lhe que podia fazer banho e todos riram. Nesse momento já não era mais uma fila, pois as pessoas haviam se espalhado ao redor do balcão. Disse que dava para fazer chá e foi mais uma gargalhada geral. Eu não me incomodei com os risos e achei legar estar sendo engraçada, embora nao identificasse o que teria de cômico naquela cena tão banal. Disse que dava para fazer emplasto, essência, defumação, qualquer coisa que se quisesse. Daí o atendente pegou o molho de alecrim e começou a fazer uma espécie de ilusionismo, mas não lembro direito. Sei que eu comentei que já tentara muito fazer aquilo também com o alecrim, mas ainda não conseguira. Daí os risos cessaram, a atenção voltou-se para o homem tentando improvisar seu ‘show’ e as lembranças ficaram apenas nisso. O que um sonho desses pode representar?

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