terça-feira, 4 de janeiro de 2011

ESFINGE

Édipo interrogado pela Esfinge
Arte Grega


Depois disso sonhei que minha irmã e cunhado iam me proporcionar uma festa, mas eu não estava interessada e disse-lhe que eles podiam convidar quem quisesse, mas eu não tinha ninguém para convidar. Eles contestaram, pois se a festa era para mim eu tinha que chamar meus amigos. Respondi que eu não tinha amigos e num tom um tanto irritado disse que pessoas que possuem muitos amigos e gostam disso como eles, não compreendem a realidade de vida de alguém que não se interessa em fazer amizade e não possui nenhum amigo como eu. Eu queria mostrar que cada realidade pessoal é diferente e que eu não poderia participar de uma festa usando a realidade de vida, de preferência e de comportamento deles, pois a realidade deles não se encaixava com a minha realidade, com as minhas vontades e personalidade. Eu não estava negando a festa que eles queriam me oferecer de presente, mas deixei claro que minha situação não era propícia para tal. Eles acreditassem ou não, aceitassem ou não, minha realidade e meus interesses foram assumidos e deixados claros como se estivesse impondo que eu era assim, que eu não via vantagem em comparar ou adequar minha realidade com a de ninguém, e pronto.

Dentro do sonho eu era certa disso, mas agora, enquanto o escrevo, fico a me perguntar: estaria eu equivocada?

Como respeitar a própria realidade e ainda preservar o bom-senso de uma realidade em comum?

Numa visão analítica clássica poderíamos pensar em compensação do desejo de ser festejada e celebrada como centro das atenções, foco central de todos, de vivenciar a celebração, os amigos e a festa, de viver a realidade que nega ou que não consegue atingir. Mas, e daí?
Tem eventos interessantes que merecem um olhar mais inquiridor e mais amplo.

Há vitimização?

“mas eu não tinha ninguém para convidar”

A inexistência de amizades pode indicar dificuldades em estabelecer vínculos afetivos com seus iguais, dificuldades de participação social ou de encontrar uma tribo de identidade. Pode indicar tendência ao isolamento, como fuga ou defesa, dificuldades de aceitação de pessoas ou de se fazer aceita, defesas que a protejam mas que a levem ao isolamento social.

A ocorrência hoje pode ser resultado de uma postura desenvolvida no seu passado. Consequências de caprichos, birra, revolta, narcisismo, vaidade, o que pode ter te levado ao isolamento, ao julgamento, à crítica exacerbada e à reatividade e à agressividade, tudo consolidado e compensado com posturas de superioridade crítica, preconceitos, orgulhos e amor próprio “ferido”.

Ainda que houvesse o desejo de interagir. Aquela coisa de, “eu não tenho prazer de degustar as uva, mas... elas estão podres”.

Se no passado a certeza era de ser vítima do outro, agora pode-se descobrir vítima de suas escolhas.

Mais à frente você expressa ou sente: “eu não tinha amigos e num tom... irritado disse que pessoas que possuem muitos amigos e gostam disso como eles, não compreendem a realidade de vida de alguém que não se interessa em fazer amizade e não possui nenhum amigo como eu.”

É Natural, quem não se interessa em ter amigos, não os tem. Nada demais. É preciso respeitar os que não querem ter amigos. Mesmo quando se quer ter já existe uma imensa dificuldade em garimpá-los.

Amigos representam a maior potencialidade de interação: aceitar a imperfeição humana, as dificuldades, os limites, as deficiências, os desvios, crenças políticas e religiosas, filosóficas e religiosas, vícios, hábitos, frustrações, fracassos, compulsões, feiuras e belezuras, bondades e maldades, apegos, etc, etc.

Numa idade mais à frente nossas escolhas pessoais já aproximam os identificáveis e afastam as diferenças, mas sua idade o momento seria de ampliar essas relações para que com o tempo possa consolidar as identidades.

Você sabe que sua condição a levou a um grau de severidade e exigência levando a se esconder numa condição sem ter se libertado da outra.

Seu momento é de descobrir-se fazer “amigos”, tornar-se mais acessível, mais jovem e menos velha e sistemática. Adultos mais maduros são diferentes, fazem suas escolhas e vivem dentro delas, já libertos do desejo de agregação. Mas você está no auge da agregação, da vivência grupal.

Vou te contar uma vivência pessoal: há muitos anos desde quando me afastei de Belo Horizonte, pessoas próximas mantiveram a proximidade e assim nestas celebrações coletivas, se covidavam e vinham para ficar em minha casa. Assim venho vivendo momentos especiais. Neste ano, depois de duas décadas, todos estavam fora, Buenos Aires, Quito, e outros lugares e... foi ótimo ficar relativamente só. Tive tempo para experimentar outras coisas e acredito que vi a queima de fogos mais linda de minha vida, num raio de 100 quilômetros. É bom quando temos poucos amigos em qualidade ja que em quantidade é tarefa difícil, e independente de estarmos juntos o sentimento de proximidade permanece o mesmo.

Amigos são conquistados. Sua postura sempre foi a de querer ser conquistada no alto do seu isolamento, na torre de marfim da Rapunzel. Você se esqueceu de conquistar amigos. Este é o seu momento de buscar esta experiência conquistar pessoas, mostrar quem você é para que elas possam descobrir sua riqueza pessoal, espiritual.

A mensagem parece-me a de que a realidade que você vive não é a realidade que quer, mas a realidade que você construiu. Está na hora de reconstruí-la e de experimentar novas formas de viver este mundo, tomando cuidado para não se encalacrar em conceitos que servem para consolidar seus escapes e defesas.

Dentro do sonho eu era certa disso, mas agora, enquanto o escrevo, fico a me perguntar: estaria eu equivocada?

Possivelmente! Cuidado com as certezas. O seu momento é de se permitir não ter tantas certezas. Duvide! De tudo! Até de si mesma.

Como respeitar a própria realidade e ainda preservar o bom-senso de uma realidade em comum?

Nós não somos uma ilha, e a realidade comum precisa ser conquistada. E só a conquistamos mergulhando neste lago, em que temos que ceder, incorporando a tolerância, a compaixão, a paciência, aceitando as diferenças e abandonando o mito que criamos de nós mesmo. Abandonando o egoísmo, a falsa superioridade, a realeza e... Nos tornando seres mortais, humanos, como qualquer outro dos bilhões espalhados pelo mundo.

NA SUA ESTRADA

VOCÊ SEGREGOU E SE SEGREGOU

ESTÁ É UMA DAS ARMADILHAS

EM QUE VOCÊ SE ENREDOU.

A esfinge parece lhe interrogar:

O viajante solitária, pelos mares da ilusão terrena, se vives no mercado, porque escolher viver sem compartilhar, na privacidade, a experiência de convivências amorosas e afetivas?

Ó jovem solitária, será que lhe resta apenas a covivência social, superficial e distanciada dos estranhos?

Não mereces o compartilhar dos fraternos amigos, ainda que imperfeitos humanos?

Ou lhe resta apenas a solidão dos exilados,que se bastam em seus espelhos?

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