Eu estava num palácio com decoração de sorvete de creme com passas (tudo era pintado de amarelo com manchas pretas) quando saí e fui para casa. O caminho era escuro e já estava chegando quando esbarrei com um bêbado e ele quebrou uma garrafa vazia sobre mim. Para me defender usei a mão direita e notei que ficou um hematoma de sangue coagulado na extremidade da mesma. Então eu corri dele e tranquei-me dentro de casa. Indo para o quarto tranquei-me dentro deste também, mas enquanto dava a segunda volta na chave e tirava-a da fechadura, notei que aquilo era uma armadilha, pois eu não tinha costume de deixar a chave do lado de dentro. Já abrindo apressada para sair dali, notei que havia alguém dentro do quarto e era uma mulher. Ao abrir a porta para fugir me deparei com um homem e dois jovens que pareciam ser seus filhos. Eu estava cercada. A mulher disse que era para eu tomar o veneno e nisso notei que o homem tirava de uma botija um liquido colocando-o para me servir. Tive vontade de revidar e dizer que se eu tomasse aquilo e morresse ela nunca mais teria sossego na existência dela, mas acabei escolhendo me humilhar e pedi-a para me perdoar. (Como posso ter tanta facilidade para pedir desculpa nos sonhos?) Ela parecia inflexível. Dentro do contexto eles pareceram ser espíritos obsessores. Disse-lhe que se eu estava viva tendo uma nova chance era porque Deus já me perdoara e insisti para que ela fizesse o mesmo e não o fizesse por mim, mas por ela, pois eu já estava pagando pelos meus atos desajustados (não sei o que eu lhe fizera, mas sei que assumia minha culpa). Disse-lhe que ainda queria nos ver de bem e que ainda os poderia ajudar muito (não disse como, mas pensei que o faria através de um centro espírita). Abracei-a sem importar-me com seu jeito esquivo e notei que ela ficara balançada. Ele comentou que eu estava querendo fazer a cabeça dela apenas para que ela desistisse de me dar o veneno. Isso não era verdade. Minhas intenções era realmente de reconciliação. Senti que tudo ia ficar bem e, por mais que quisesse continuar o sonho, acordei nesse exato momento.
Ψ
Palácio de sorvete é palácio de fantasia, construção da ilusão para acolher a Princesa do Creme com Passas. Ilusão. Fragilidade. Dessa forma a psique te introduz aprisionando o seu foco de atenção: através da ilusão da gostosura. Te seduz pela oralidade, polarização gerada pela ansiedade do afeto que conforta e protege. O afeto que compensa o seio materno. É também a energia densa e paralisada que precisa ser acionada para ser dissolvida ou para entrar em movimento.
Aí... de volta para casa o choque com a realidade. O caminho sombrio do real, o bêbado, a ameaça e a agressão.
A casa é refúgio, defesa, proteção, resistência. Mas o suporte da proteção doméstica já não existe. Há a dificuldade de defender-se, sem apoio. Insegurança? Fragilidade? Medo?
É bom ficar atenta, a defesa pode ser a armadilha que aprisiona ou que esconde o risco. Quando o individuo se defende em excesso a "suposta" proteção serve para proteger a ameaça, para camuflar o perigo.
Medo de ser devastada. Qual a culpa? Você se sente culpada? Que erro cometeu para ser condenada à morte?
Você não se sente uma pessoa merecedora. Precisa pagar, mesmo que já tenha pago, mesmo não tendo o que pagar. Mas essa é uma característica da natureza feminina. Cobrará pela eternidade do homem, que para ela, errou. Pobre do homem que não atender à expectativa feminina, será empurrado eternamente para o cadafalso da punição, eternamente condenado. E assim as mulheres fazem consigo mesmo. Mesmo que tenham dificuldades em aceitar que cometem erros, se punem com a culpa pela eternidade. Estão sempre culpadas, pelos filhos, pela família, pelos amigos, e... Por estranhos.Triste sina! carregar a cruz da culpa pelos caminhos da vida.
Neste aspecto a Cruz não é a horizontalidade da calmaria nem a verticalidade da ascensão mas a encruzilhada do destino, o conflito sem saida. O medo de arriscar e se deparar com o inferno, o medo de acertar o caminho e não suportar as delícias do paraíso sabendo do sofrimento dos que vivem no purgatório.
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Existem vários tipos de medo, mas o medo de morte é um medo especial, porque antes de ser egóico é resultante do instinto de preservação do sistema, da vida, de sobrevivência. Muitas vezes mascara a angústia ou o senso de não ter cumprido em vida o que devia ter sido realizado ou vivido. Esconde expectativas do não vivido.
Tradicionalmente pode-se pensar no desejo da morte. Há o desejo mascarado de morrer? Há o medo de ser envenenada? De servir como sacrificada?
Uma fala pode esclarecer:
Disse-lhe que se eu estava viva tendo uma nova chance era porque Deus já me perdoara e insisti para que ela fizesse o mesmo e não o fizesse por mim, mas por ela, pois eu já estava pagando pelos meus atos desajustados (não sei o que eu lhe fizera, mas sei que assumia minha culpa).
Mas se Deus a perdoou e se você já pagava pela prática dos “atos desajustados”, seus pecados, quem a condena?
Você se culpa. Mergulhada na culpabilidade se condena, e se oferece ao sacrifício não por amor como a Julieta, que perde o sentido da vida por acreditar no seu Romeu morto, mas por culpa de ter, em algum tempo, em algum lugar, cometido os erros ou de não ter atendido à expectativa do outro, de ser aquilo que esperavam de você. A tendência é de sacrificar-se, punir-se, fazer-se de vítima à espera da santificação ou da salvação.
Quanta severidade. Quanto sofrimento. Quanto perfeccionismo. O caminho não é bom!
Tudo bem que o palácio de sorvete seja ilusão, seu refúgio, compensador da carência, energia gelada, mas em nome de que tanta condenação?
Seria essa mulher a sua irmã? Aquela que a pune, que a condena? Seria a culpa por não perdoá-la?
Há mistura: a mulher que te condena é você que condena a irmã pelos erros cometidos ao te colocar numa camisa de força. Mas essa mulher também pode ser sua irmã te condenando.
Essa mulher pode representar o medo de ser punida pela irmã em decorrência do sentimento cultivado por ela, e a possibilidade da reconciliação, a mudança que precisa realizar, abandonando o passado de mágoas e resentimentos? O pedido de desculpas poderia ser a sua necessidade de ver sua irmã se desculpando, mas espelha a culpa que sentes pelos sentimentos negativos dos quais não consegue se libertar.
Minha culpa, minha culpa, minha máxima culpa! Antes de tudo você precisa se perdoar, ter compaixão por si mesmo e compreender que é chegada a hora de reconciliar-se consigo mesmo e com aqueles que estão dentro de um passado que precisa ser passado a limpo.
O veneno destilado a ser tomado pode esconder a verdadeira ameaça: a submissão. Cercada por 4 ou por cem, qual a diferença? A dignidade da autonomia. Ninguém pode tirá-la a não ser você mesmo.
Você continua funcionando sendo comandada por estranhos, ainda que na ameaça, e o que a leva a implorar, e a tentar seduzir o outro é o medo de ter que fazer o que o outro obriga. Abrir mão da autonomia é entregar ao outro o direito de te comandar. Você ainda funciona comandada pelo outro.
Não adianta fugir de seu dever consigo mesmo. É fundamental aceitar a realidade de seus limites ou se verá obrigada a ceder ao controle do outro. É preciso abandonar a fantasia e aprender a se proteger sem se aprisionar nas armadilhas do simplismo. Desenvolva e amplie o repertório de respostas para não ficar perdida no passado de ressentimentos e mágoas.
Ah!
O PIOR DE NOSSOS ERROS APARECE
QUANDO NOS VEMOS OBRIGADOS
A PROVAR O PRÓPRIO VENENO.
Implorar e suplicar e se desculpar pode ser um ótimo curativo, mas o melhor é interromper e superar os equivocos.
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