CH70
O AFETO NARCISICO
Depois eu estava na casa da família de um rapaz que parecia meu 'namorado' quase de verdade. Abraçada acompanhei uma amiga (não sei quem é, nem dentro e nem fora do sonho) até a porta, pois ela ia embora. Interessante a intimidade e apreço que pareço ter com determinadas pessoas dentro dos sonhos, algo além do que já experimentei fora deles. Depois disso comecei a procurar meu tênis (ou chinelo, não lembro), pois ia sair com esse namorado. Procurei o sapato em todos os cômodos até que ele me ajudou a encontrar. No que eu calçava, um outro sujeito apareceu e, escondidos atrás do portão de entrada, ele e meu suposto namorado começaram a se beijar. Embora sentisse leve ciúme, ele sempre deixara claro para mim que gostava de homem também e eu estaria do lado dele para ajudá-lo e não para atrapalhar. Entretanto, a irmã dele mais nova viu a cena e criou confusão dizendo que ia contar tudo para os pais. Eu sabia que, enquanto sua namorada, era uma prova chave de sua 'masculinidade' e não queria ver meu namoro acabar, muito menos desejava que ele se aborrecesse pela incompreensão e o preconceito dos pais. Eu me sentia bem com aquele namoro conveniente para ambos, pois era bom para meu ego tê-lo como um namorado, mesmo que ele não fosse exclusividade minha. Eu queria amenizar a situação, mas não sabia até que ponto podia intervir. Também pensei que talvez o pior o fizesse se decidir de uma vez por todas entre eu e o outro. Pena que não lembro o resto. Parece que o contexto de tais sonhos não são muito diferentes: relação materna,recinto religioso, envolvimento falso baseado em aparência e mentira, valorização do ego, etc. Nunca sei quais sonhos realmente podem indicar algo importante de ser analisado e daí estou anotando todos que lembro. Parece que meus sonhos ficam me testando em todos os sentidos...
Analisar os próprio sonhos é tarefa Hercúlea, não é questão de sabedoria, informação ou inteligência. É se olhar no espelho como alma, e necessitamos primeiro aprender a ter olhos. Não se exija isso agora. Nesse oceano de águas desconhecidas, distingui-lo é importante para chegar ao porto em segurança, mas a tarefa é pedreira. Por isso, enquanto eu ainda apareço por aqui aproveite a oportunidade para ter companhia nesta busca, e quando eu já não mais acessar esse espaço, não deixe de seguir na sua caminhada. Acompanhado de um guia os caminhos se mostram menos obscuros, batemos menos a cabeça, apanhamos menos para aprender.
Os sonhos possuem esses mecanismos de confronto, é a forma que a psiquê encontra para que reavaliemos nossos conceitos, nossos preconceitos, resistências, tendências, desejos, fantasias, dificuldades.
Calçar seus pés, protegendo-os ou escondendo seu simbolismo fálico, pode ser evidência de que à medida que esconde seus desejos eles reaparecem em forma de homossexualidade. Você feminiliza seu masculino ou masculiniza seu feminino. Em sonhos anteriores essa erotização homossexual já apareceu em jogos sexuais femininos, desejos ou fantasias e agora aparece em conteúdos masculinos.
Em sonho anterior você afirmou sua heterossexualidade, mas há preconceito? Dificuldade em lidar com as diferenças de desejos? Culpa por ter vivido algum momento de sexo homossexual? Há conflito? Resistência? Defesa? Dificuldade com o tema? Há desejos secretos de envolvimento com iguais? Há ocorrências de medos? Ou seria o sonho apenas uma manifestação do narcisismo regredido?
Abordarei um pouco da natureza narcisica do sonho. A associação que me vem é da imagem de Narciso encantado com sua imagem ( post Narcisismo no Blog Jornada da Alma) se apaixonando por si mesmo, por um igual.
Esses dois sonhos sequenciais eles são a imagem de nosso duplo “EU”, um constituído de uma natureza coletiva, originada no coletivo de dois seres e o outro singularizado no nascimento da individualidade, da pessoalidade, Possivielmente o narcisismo como conteúdo arquetípico seja, no desenvolvimento do individuo, a primeira ocorrência primária de formação do Simbólico . Uma ocorrência que nasce a partir do estabelecimento dos princípios básicos, concretos, e de garantia de satisfação dos instintos e da sobrevivência.
Ou seja, a partir do momento em que o individuo tem garantido o seu conforto de desenvolvimento (na barriga da mãe), ele repousa em águas tranquilas e se desenvolve seguro e protegido. Neste momento assegurado o equilíbrio, o corpo formado e em crescimento, deve-se primariamente aflorar a dimensão narcísica. O Rei, assistido, repousa, se alimenta e vive o prazer do princípio simbiótico.
A partir do parto, a mudança de meio tira o individuo do “paraíso” e o lança numa condição de instabilidade, neste momento a oralidade sacia a fome da sobrevivência, o calor do corpo materna diminui o desconforto do novo meio, e inicia-se a integração de nova sensações e percepções (aromas, afloramento de sensibilidades táteis e proprioceptivas, sensações de prazer e desprazer, conforto e desconforto, ampliação do universo sonoro e visual, etc.), e a instabilidade originada nas mudanças produz a regressão da natureza narcísica, já que o estado pessoal é lançado em ambiente até certo ponto “inóspito”.
As fases de desenvolvimento que se seguem irão consolidar essas duas naturezas: a narcísica e a coletiva, a individual e a social. E poderemos ficar aprisionados no narcisismo ou amadurecer pela consciência de que não somos únicos mas parte de um corpo muito mais amplo. O paradoxo é que quanto mais avançamos na consciência melhor nos situamos no coletivo e mais conseguimos restaurar a integração pessoal na construção de uma individualidade plena.
Neste aspecto o sujeito narcísico é apenas um retrato pífio deste momento que marca o nascimento da natureza singular da individualidade, e as manifestações que sobrevivem como uma resistência a essa mudança de “Estado” se farão visíveis por toda uma vida, como para confrontar o individuo na importância de aceitar a impermanência da vida, a maturação do individuo na participação do universo coletivo.
Mas narcísicos resistem nesta suposta “pessoalidade” se escondendo na formação e construção de um EGÃO, nas vaidades, no egocentrismo, etc, Como disse o paradoxo é que quando renunciamos a esse narcisismo, fonte e origem da construção do individuo e que encontramos a pessoalidade liberta dos caprichos. E quando o sujeito resiste neste comportamento centrado mais a psiquê precisa encontrar desvios para compensar o estado regressivo que impede a transformação e evolução do SER, produzindo desajustes emocionais e comportamentais no sujeito.
Como já mencionei, os sonhos sequenciais sinalizam essas duas natureza: A natureza coletiva que anseia se realizar e a pessoal regredida que quer evoluir. A Maternidade que se realiza em nós através do afeto, da generosidade, da compaixão e o narcisismo simbólico do ego centrado que quer o mundo girando ao redor do seu umbigo, como se Deus Criador o fosse.
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