Creio que o sonho dessa noite foi uma resposta do meu inconsciente a respeito do sonho passado sobre “anorexia afetiva”. Eu estava junto com um homem, o qual me mostrava algo que não lembro o que era, quando o carro dele estilo Kombi começou a andar sozinho. Como se o veículo estivesse desengatado ele saiu correndo atrás do mesmo e chamou-me para ajudá-lo, mas eu fiquei quieta, sem reação, pois sabia que não ia conseguir parar e segurar o mesmo (seria um pré-julgamento?). Depois de algum tempo ele voltou num outro carro e comentou que tudo tinha acontecido dentro do tempo certo. Ao escutar isso eu desconfiei que tudo fora armação, que ele deixara o veículo aberto para o mesmo ser roubado e assim poder conseguir outro com o seguro (seria um segundo pré-julgamento?). Pensar nisso me fez ter medo do sujeito e saí correndo com medo que ele viesse atrás de mim . Além de sentir-me usada para um plano escuso, também senti-o como um perigo, pois ele poderia voltar-se contra mim ao constatar que eu não aprovava sua atitude (terceiro pré-julgamento?). Conforme corria, o medo foi se tornando tão intenso que por fim comecei a voar. Quando parei estava perto de uma fileira de caminhões. Enquanto tentava entender o que se passava naquele local interditado, também analisava (ou será que tentava me auto-justificar?) tudo o que acontecera comigo. Lembrei que estar com as pessoas era algo sem-graça. disse comigo mesma que antes negar-me aos outros do que ser derrotada pela insatisfação de não sentir-me bem perante os relacionamentos, as amizades e as vivências humanas de modo geral. Não senti que essa insatisfação estivesse ligada ao fracasso de não ser semelhante a uma idealização sociável de mim mesma, mas sim um desgosto causado por não ter afinidade com os outros, por não achar divertido estar com as pessoas. Eu preferia ser esquiva a ter que me frustrar passando por situações desagradáveis, pois esse é o sentimento que geralmente sinto em companhia alheia: desconforto.
Estaria meu inconsciente apenas reforçando a resposta e o entendimento de que o constrangimento que sinto é o julgamento que realizo, é a severidade e o padrão classificatório que aplico ao coletivo, é o despreparo e a insegurança pra lidar com a imprevisibilidade? Mas como fazer se isso parece sempre ser mais forte do que eu?
Na relação com o mundo, apartir da construção do Eu, a justificativa funciona para todo neurotico como referência para atitudes que ampliem o conforto nas relações sociais. Assim o mentiroso encontra justificativas para mentir, o rato encontra justificativas para roubar, o assassino para matar, o oportunista para aceitar o assédio do corrupto, o imoral para transgredir,etc.
A justificativa tambem funciona como referência na construção da pessoalidade para a criação de defesas e resistências que protejam o sujeito de ameaças, distanciado-o da frustração. Em geral o limiar de resistencia à frustração é reduzido, em decorrência de hipersensibilidade ou de fragilidade emocional originada na imaturação neuropsiquica.
No seu caso existe tendência, e já comentei aqui, de predefinir os acontecimentos, antes que ocorram, para se precaver de frutrações e a sua justificativa é sempre a insatisfação de ter que conviver com o incômodo de relações que a “desagradam”. Há justificativa para proteger a individualidade que é ameaçada pela frustração de viver aquilo que não quer ou a expectativa que não se realiza.
É possivel que a frustração tenha se elevado a níveis de sofrimento quando voce passou a ser controlada e dominada na adolescência. Você “engoliu” o martírio de ser controlada pelo outro mas decisivamente rejeitou a submissão se tornando “Mal Criada” e evitando as situações que não atendiam sua expectativa severa e exigente.
Voce caiu na sua armadilha. Tentando se agarrar na sua suposta individualidade passou a se castrar antes que os outros o fizessem. E deixou de aceitar que todo processo de socialização é castrador. Que a maioria se submete a esse processo. Nos adequamos para que adaptados na sociabilidade possamos conquistar instrumentos que nos permitam reconquistar a Liberdade da natureza selvagem que impera no interior do ser.
Essa liberdade é possivelmente a grande reconquista do homem socializado. Está além de qualquer tipo de poder social, posses materiais ou fama. É a liberdade de poder transitar dentro do coletivo estando resguardado, com autonomia plena de sujeito, singularidade, individualidade.
A armadilha fez você renunciar ao que é inevitável: a interação, a relação com o coletivo. Há um momento em que isto é possível ao individuo liberto, se libertar do coletivo. Mas a conquista da libertação do coletivo é dada ao agraciado que conquista a liberdade do individual. E a liberdade do individuo se conquista através do sacrifício da entrega ao coletivo, à socialização que a civilidade exige.
Nos casos patológicos os que, não aceitam esses principios, seguem os caminhos da psicopatia, se perdem ao redor de seus anseios de centros deformados de carater, anseios de domínio, de ilhas absolutas de centro do mundo.
O sujeito egocentrado se entrega apenas à satisfação do desejo pessoal, nada oferece ao coletivo, nem mesmo a presença, a companhia, o compartilhar. Dessa forma suga o coletivo sem nada a oferecer. Seu castigo paradoxalmente é o aprisionamento no outro, no coletivo. Deixa de encontrar a liberdade pessoal, e não é libertado do coletivo.
Quando o medo supera seus limites, o voar, a ilusão, se torna a compensação da libertação, posto que o aprisionamento sufoca sua existencia.
Estaria meu inconsciente apenas reforçando a resposta e o entendimento de que o constrangimento que sinto é o julgamento que realizo, é a severidade e o padrão classificatório que aplico ao coletivo, é o despreparo e a insegurança pra lidar com a imprevisibilidade?
Reforçando a mensagem de que o constrangimento é resultante de confusão conceitual, conflito entre o desejo de inclusão e o desejo de exclusão. É o ritual do sacrifício de se punir, punindo aqueles que te castraram e a “obrigaram” a renunciar ao projeto de autonomia pessoal. Projeto que se deforma no capricho de não se permitir socializável. O projeto pessoal se transforma em conteúdo autônomo revestido de orgulho, capricho, ressentimentos, competitividade, amor próprio, vaidade, petulância, ou como conteúdo inferioridade se compensando como superioridade, atuando e conduzindo seu comportamento.
É a rebeldia para não se entregar ao inevitável: o partilhar coletivo.
A ilha se constrói, mas não se basta.
Mas como fazer se isso parece sempre ser mais forte do que eu?
Dirigindo seu veículo, sua Kombi. O termo Kombi é originário do alemão Kombinationfahrzeug que quer dizer veículo combinado. Combina carro de passeio e utilitário. Mas seu veículo Kombinado está sem motorista, sem condutor, e desce a rua comandado pelas forças que atuam na naatureza.
A pulsão interior, originária de conteúdos inconscientes penetra na área de transferência e conduz o sujeito já que o individuo não tendo consciência acredita que tudo o que ocorre dentro dele é ele. Ele passa a ser conduzido por conteúdos autônomos do interior que tem vida própria, mas como não é capaz de se distinguir passa a ser resultado de sua sombra, deste lado obscuro do inconsciente.
O caminho é a consciência. A partir das pequenas escolhas focar a consciência, fortalecer a compreensão, assumir o comando da vida referendado em princípios que favoreçam distinguir comandos de comportamento pessoal e comandos de conteúdos internos de origem desconhecida. Isso permite a diferenciação interna entre o Joio e o trigo, atuando na dinâmica psíquica e é um longo trabalho de paciência e humildade, de vigilância e determinação. Caso contrário é seguir pelo caminho da indiferenciação, o caminho do simplismo, onde o individuo se consome fortalecendo seu ego e enfraquecendo seu espírito. Seu domínio.
Esta, possivelmente, é a tarefa mais árdua do ser humano, se constituir individualidade estruturada, em pleno domínio de si mesmo, de seu mundo interior e na forma como estabele as relações com o mundo. Hoje em dia, as pessoas por se acreditarem indivíduos constituídos de um “nome” e um número de identidade se pensam individualidades formadas e bem constituídas quando na verdade se dedicaram apenas a estabelecer um projeto idealizado de individualidade, sem nem mesmo se distinguirem internamente como personalidades bem constituídas. Se acreditam fantásticas porque se pensam maravilhosas, se idealizam perfeitas. Se satisfazem com o projeto que idealizam acerca de si e acreditam que isso é o bastante e porque mentem acabam acreditando nas mentiras que criam.
O SER HUMANO TECE A SUA TEIA
ENQUANTO SE ENREDA NELA.
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